quinta-feira, setembro 13, 2007

Marrocos 1993

MARROCOS 1993

Nas concentrações onde íamos estando, entre 89 e 91, às vezes ouvíamos falar de Marrocos como um destino especial onde se encontrava um mundo diferente do nosso. Este nós incluía o Pimenta, o Fernandes e eu.
Sempre que ouvíamos alguém falar sobre o assunto procurávamos saber mais alguma coisa e fazíamos perguntas sobre tudo e mais alguma coisa, pois já era um destino que nos atraía.
Depois de procurar mais informações e de ter comprado um mapa e um pequeno livro, escrito por um viajante que por lá passara, pensámos que já estávamos prontos para ir e fomos.
Como queríamos perder o mínimo possível de dias de trabalho saímos numa sexta-feira à noite em direcção a Algeciras onde iríamos fazer a travessia do estreito de Gibraltar.
Foi uma das noites mais cansativas e desesperantes que já tive a conduzir. Depois de um dia de trabalho, sair para a estrada durante a noite foi a pior coisa que podíamos ter feito, mas na hora não pensámos assim. Ao chegar à zona de Elvas ainda íamos bem, mas pouco depois quando a primeira claridade do dia começou a aparecer, já na parte espanhola, com aquelas grandes rectas o cansaço foi o nosso maior inimigo. Os olhos fechavam-se apesar do esforço para os manter abertos. Tínhamos de fazer sinais uns aos outros para nos mantermos acordados. Depois que o sol nasceu o sono passou e já conseguimos ir mais à vontade.
Naquele fim-de-semana havia Grande Prémio de Motociclismo em Jerez de La Frontera e, como já era sábado, passavam dezenas de motociclistas nessa direcção. Para nós ir a Jerez já não era nada de especial.
Só a meio da tarde conseguimos atravessar para Tânger, pois tinham-nos dito que no barco já se podia ir adiantando a burocracia. Também já pudemos arranjar alguns dirhams, moeda marroquina. À saída de Tânger procurámos um parque de campismo para ficar pois o cansaço já era muito. Aí tivemos a nossa primeira “experiência”. Perguntámos o preço e depois de acertado, o dono pediu os nossos passaportes para fazer o registo e que no dia seguinte no-los devolveria e nós maçaricos e principiantes nas viagens entregámos. O pior foi que no dia seguinte quando pedimos os passaportes para continuar, o indivíduo exigiu mais dinheiro senão não entregava os passaportes. Discutimos sei lá quanto tempo, mas no fim pagámos o que ele queria a mais, que nem era muito, e seguimos.
Até passar a cordilheira do Atlas a paisagem é mediterrânica, muito semelhante ao sul do Alentejo ou de Espanha. Na parte final da subida a estrada estava em obras e foi obra passar aquela zona cheia de cascalho.
Mas depois compensou o esforço. Uma paisagem totalmente diferente foi o que nos surgiu diante dos olhos ao fim de uns quilómetros. Ainda não era o deserto mas parecia. Apenas o rio Ziz, com pouca água, mostrava que podia haver vida por ali.
No passo do legionário podia-se contemplar esse imenso vale, mas sem grande verdura.

Ao chegar a Er Rachidia começámos a sentir o assédio dos miúdos marroquinos. Mal parámos para tirar uma foto à entrada da cidade já eles estavam à volta de nós a pedir coisas.
Continuámos em direcção a Midelt e a certo ponto notou-se alguma verdura no meio daquele planalto. Saímos da estrada e fomos por um trilho até à beira de um vale espectacular. O rio Ziz tinha escavado um vale no planalto e só aí existia verdura, em cima era tudo seco.
Pouco depois a estrada descia para o vale e mais à frente atravessava-o para o outro lado.

Sempre que parávamos para tirar uma foto, fosse onde fosse, mesmo no lugar que parecia mais longe de tudo, aparecia sempre alguém ao pé das motos. Só para ver ou para pedir alguma coisa.
Um dos pontos que queríamos visitar era a aldeia de Merzouga, já no interior do deserto. Em Rissani, acesso à pista para Merzouga, tentámos saber como chegar lá e disseram-nos que havia uma pessoa que nos podia informar. Convidaram-nos a ir falar com essa pessoa e a tomar um chá. Fomos e vimos logo que também nos iriam querer vender alguma coisa, pois era uma loja com muitos artigos. Um chá de menta que até soube bem. Chá muito doce e quente. Dizem que assim não se sente sede.
Um dos sujeitos fez-nos um esquema num pedaço de papel sobre como chegar a Merzouga. Mas antes já me tinham “convencido” a comprar um tapete, um “kilim” dos berberes, depois de muito marralhar e discutir sobre o preço. O Fernandes também ia negociar a compra de um. Quando eu disse ao vendedor que já havia um preço ele disse que cada negócio era diferente por isso ia negociar com o meu amigo o preço para o seu tapete. O Pimenta comprou um punhal de estanho.
Depois de arranjarmos alguma água, pois íamos para o deserto, entrámos no trilho e ao fim de alguns quilómetros já não conseguíamos saber para onde íamos. Não conseguíamos identificar os pontos que nos haviam dado. Voltámos para trás, ao início do trilho.
Um rio não passava de um pequeno traço no chão onde teria passado água alguma vez e uma casa era um grupo de pedras que formava o que teria sido um dos cantos da dita. Entrámos no deserto outra vez e fomos seguindo o que nos pareceu o trilho principal. O piso era uma espécie de barro duro em que se notavam alguns rodados.
Ia a passar por nós um camião e fizemos sinal para parar e perguntámos se era aquela a direcção para Merzouga.
-Sim, disse o camionista, vinde atrás de mim que eu vou para lá.
Procurámos segui-lo mas ao fim de uns quilómetros no meio desse barro havia uma parte com mais areia e fui ao chão. Não houve azar mas deu para ver que era preciso cuidado pois a areia dava para cair. O camião seguiu e aproveitámos para fazer umas fotos e até havia, no meio daquele imensidão de nada, uma simples placa com uma seta a dizer “CAFÉ”.

Pouco depois cruzou-se connosco, num trilho aí a uns cem metros, uma carrinha que levava uma moto num atrelado. Mais um sinal para parar e confirmar se aquela é a direcção certa.
-Sim, diz-nos o francês, ali ao fundo vê-se um pequeno monte de areia e na sua base fica Merzouga.
O pequeno monte de areia era uma das maiores dunas com quase trezentos metros de altura. Agora com aquele ponto de referência já podíamos ir nas calmas sem medo de nos perdermos.
Para chegar a Merzouga tivemos que atravessar uma zona de deserto com trinta e cinco quilómetros onde apenas se via o horizonte ao fundo sem nada. Chamam a esta zona deserto negro por causa do pó e pequenas pedras negras que há por ali.
Ao entrar em Merzouga havia um posto de polícia onde nos mandaram parar e tivemos que mostrar o passaporte. Mas, entrámos num país diferente ou quê?
O hotelzinho onde ficámos era muito simples. O quarto de banho apenas tinha um buraco no chão para fazer as necessidades e um balde com água para lavar a cara.
No final do jantar, no hotel, alguns dos empregados vieram para junto de nós e estiveram a tocar e a cantar, pois além de nós só mais um casal estava ali.
No dia seguinte de madrugada, às cinco, pusemo-nos a pé para ir ver o nascer do sol.
Tinham-nos dito maravilhas e quisemos confirmar. Andámos quase meia hora, pelas dunas, até chegar ao ponto que o Ibrahim, nosso guia, disse que era o melhor: Realmente foi espectacular ver aquela cor avermelhada da areia com a primeira luz do dia. A areia já de si tem um tom cor de tijolo. Valeu a pena o esforço de andar e aguentar o frio que fazia àquela hora da manhã.

Quando regressámos ainda fomos dar uma volta de camelo, melhor dizendo dromedário, pelas dunas depois de muita discussão sobre o preço que devíamos pagar. Por aquelas bandas é uma honra discutir os preços das coisas. O preço não pode ser feito sem negociar.
Também andámos com as motos nas dunas mas era muito complicado. Estavam sempre a ficar atoladas e era um perigo por causa das quedas.


Saímos em direcção a Erfoud, para não voltar pelo mesmo caminho de Rissani, seguindo os postes da linha telefónica. Era um dos modos de não nos perdermos naquele deserto.

Continuámos para Tinerhir no meio de uma tempestade de areia. Não seria muito forte mas para nós já era muita areia.

Ao chegarmos ao parque de campismo vimos que havia areia em todos sacos. Mesmo nos sacos fechados a areia tinha conseguido entrar. Ficámos num “bungalow” que era apenas um quarto com beliches, porque o preço era quase o mesmo que para montar a tenda.
Na manhã seguinte fomos visitar a parte antiga da cidade que é muito interessante e ainda fomos até à zona do palmar.




Da parte de tarde fomos fazer o percurso das gargantas do Todra e do Dadés. Foram cerca de cem quilómetros, quase todos em pistas de terra. Logo no início era preciso atravessar o rio pela água, não era alta mas para nós novatos já foi diferente.
Foi um percurso espectacular fazendo a ligação pela alta montanha entre estes dois rios. Os dois vales eram diferentes mas com paisagens que nos faziam parar a cada instante só para poder apreciar.










No dia seguinte começámos a vir para norte pois o tempo era escasso.

Fomos visitar as nascentes do Oum Er R’bia, nascentes de água doce e salgada. Uma volta que valeu o desvio efectuado. Atravessámos um vale de montanha que até parecia um vale suíço.


Na zona de Azrou ainda cruzámos a Floresta de Cedros.


A partir daqui, próximo de Tanger, já só pensávamos quando poderíamos ter uma nova oportunidade para regressar a este país que nos marcou tanto.
Eu, felizmente, já lá pude ir mais duas vezes, o Pimenta ainda não voltou e o Fernandes nunca mais vai voltar pois, sorte malvada, já morreu.

Escrevi esta crónica de viagem quase quinze anos depois de ter ido a Marrocos mas penso que para nós foi uma grande viagem, mesmo só de uma semana.

O meu amigo Humberto Pimenta deu-me uma ajuda a corrigir pequenos pormenores, como nomes .

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