segunda-feira, julho 28, 2008

Potosi, de novo no altiplano boliviano

Arica pareceu-me uma cidade animada. Havia sempre muita gente nas ruas.
O porto da cidade é a principal ligação da Bolívia ao mar. Sempre muitos camiões com matrícula da Bolívia a entrar e sair do porto.
Andei pela cidade e subi a um cerro sobranceiro à cidade para poder apreciar melhor. Estava uma certa neblina mas deu para ver.
Apesar de ser inverno e não estar muito calor havia algumas pessoas nas praias. Praias com uma areia meio escura, região de vulcões, e também com algumas palmeiras, região sub-tropical.
Ainda fui visitar o Museu Arqueológico de Azapa, que me diziam que era um espectáculo e tinha a múmia mais antiga do mundo.
Fui num colectivo, táxi que faz um certo circuito e leva até quatro passageiros. É como um micro autocarro. Nalgumas cidades chamam micros aos autocarros que levam vinte a trinta pessoas.
Afinal o museu é como os outros. Tem algumas coisas interessantes sobre os primeiros habitantes desta região, mas pensei que seria maior.
Saindo de Arica os primeiros quilómetros são a subir num vale verde no meio de encostas secas. Depois a estrada vai subindo lentamente para o planalto desértico. Muitos camiões carregados de automóveis em direcção à Bolívia.
Ao fim de mais alguns quilómetros a estrada volta a subir e chega aos 4.600 metros.

Ao passar junto de Parinacota fui pelo desvio até à aldeia. Tinha lido que a igreja era muito antiga e tinha no interior umas pinturas muito bonitas. Estava fechada e ainda perguntei quem tinha a chave. Uma sujeita disse que era o Cipriano e quando tentei saber onde morava ela disse que ele andava por aí. Dei uma volta à aldeia, não era grande, mas não vi mais ninguém.
Foi pena. Há muito tempo que não encontrava uma pessoa tão antipática.
Ao passar a fronteira, desta vez, foi outra forma diferente de fazer os papéis e até tive de mostrar a minha carta de condução. Ficou um registo na polícia. E afinal só me deram 30 dias de estadia.
Fiquei logo ali depois da fronteira, em Tambo Quemado. Ainda faltavam bastantes quilómetros até outra povoação com alojamento e não queria andar de noite.
Continuando em direcção a Oruro a certa altura a estrada atravessa um vale espectacular, parece um “canyon”. Vêem-se algumas casas isoladas e alguns pastores com os seus rebanhos de lamas.
Em Patacamaya ao abastecer um indivíduo disse-me que havia bloqueios antes de Oruro. Ao almoçar outro disse-me que não. Bem, logo se verá.
Mais à frente numa portagem perguntei ao polícia e ele disse que não havia mas para ir com cuidado.
Em Oruro procurei uma residencial que o Nuno e a Joana me tinham indicado, Residencial Vergara na Calle Pagador, mas estava cheia. Tentei outra mas o espaço da garagem estava em obras e não dava para guardar a moto. Fui andando a ver se encontrava alguma coisa mas as que via não tinham garagem. Por fim encontrei um hotel, Monarca, meio caro mas com garagem.
A cidade pareceu-me muito normal. Não vi nada de especial, a não ser o comboio a passar mesmo no meio de uma feira numa avenida central.
Já li e vi cartazes sobre o carnaval de Oruro. Dizem que é dos maiores. Não estamos em época de carnaval.
À saída de Oruro havia uma portagem mas não me cobraram o pagamento.
A estrada foi sempre seguindo no altiplano na ordem dos 3.700/4.000 metros.
Ao chegar a Challapata havia mais uma portagem mas não me cobraram outra vez. Quando parei na bomba de gasolina pensei que não havia gasolina. A bomba estava coberta com um pano e eu perguntei se não havia. O empregado respondeu perguntando-me quanto precisava. Eu disse que precisava de uns dez litros para chegar a Potosi. Então ele disse que só tinha gasolina para emergências, como ambulâncias ou coisas assim. Eu disse que precisava de alguma e ele encheu o depósito, só foram doze litros. Era uma emergência!
A estrada começou a entrar numa zona mais montanhosa e a paisagem melhorou.
Ao entrar em Ventilla tive de pagar portagem, mas depois até valeu a pena.
A estrada passou numa zona fantástica. Muita montanha com vales e desfiladeiros com uma cor vermelha. Por aqui já havia alguma vegetação e por isso era um espectáculo.


Ao chegar a Potosi enchi o depósito pois parece que há problemas com o abastecimento de combustíveis e mais vale prevenir.
Agora vou tentar conhecer a cidade e ver se é melhor que Oruro.

Potosi, S 19º 35,551’ W 65º 45,031’

segunda-feira, julho 21, 2008

Arica, mesmo no norte do Chile

Antes de sair de S. Pedro de Atacama achei que devia ir visitar o salar de Atacama, pois li que era o maior do Chile.
O único ponto de interesse é uma pequena lagoa, Chaxa de seu nome, que fica no meio do salar. Este é bem diferente do de Uyuni pois não é liso como esse. Parecia-me um campo depois de lavrado. A superfície era irregular e escura.
A explicação que me deram é que a água do degelo infiltra-se nas montanhas em redor e depois sobe à superfície trazendo os sais dissolvidos que se depositam de forma irregular. No salar de Uyuni a água é levada por pequenos rios, quando chove, e por isso a superfície é lisa.

A Carola foi comigo e no regresso ao passar em Toconao fomos ver a Quebrada de Jere. Um pequeno vale com um riozinho que conseguia manter alguma verdura no meio deste deserto.
O pior foi a seguir quando voltámos à estrada principal. A roda de trás da moto da Carola estava a perder ar e tivemos de fazer uma reparação ali na berma da estrada. O remendo de um furo anterior tinha descolado e não dava para colar outra vez. Por sorte, ou talvez não, eu tinha levado o meu material e emprestei-lhe a minha câmara de ar suplente. Ao montar o pneu ela traçou a câmara e não se conseguia encher. Foi preciso voltar a desmontar o pneu e remendar o corte. Desta vez já deu para encher mas o pneu não ficou bem assente e tivemos de vir devagar pois a roda ia a abanar.
Fez-nos lembrar a travessia na semana anterior em que ela também tinha um problema com a roda traseira que todos os dias de manhã era preciso encher pois perdia ar lentamente. A cerca de 4.200 metros de altitude ao fim de meia dúzia de bombadas era preciso parar para recuperar o fôlego.
Já agora aproveito para dizer que nessa semana por algumas vezes tive de sair da moto quando ela se enterrava na areia e puxá-la, com a ajuda do motor, para desatascar. Quando chegava a um ponto mais firme sentava-me outra vez na moto e ficava um pedaço a recuperar do esforço. Até parecia que tinha corrido sei lá quantos quilómetros…
À noite fomos jantar para uma espécie de despedida. O Jurgen e a Petra já tinham seguido e nós iríamos partir no dia seguinte, cada um para seu lado.
Na estrada para Calama fiz um desvio para o Vale de La Luna. Tinha lido que era um vale com formações rochosas únicas e que merecia uma visita. Não achei nada especial. Tinha alguns pontos interessantes mas penso que já passei noutros vales mais espectaculares.
Será que já vi tanta coisa que já não consigo saborear pequenas diferenças nas paisagens?
Por azar numa das vezes que parei para tirar umas fotografias o saco do depósito ficou aberto e uma das máquinas ficou ao sol. Mais à frente tentei fazer um filme do vale e quando fui ver o resultado fiquei desconsolado. A objectiva tinha um problema e fazia uma barra negra. Fechei e abri várias vezes, mas nada. Ainda não encontrei onde reparar. Espero que quando chegue a Sucre aí encontre, senão…
Continuei subindo mais uma vez até aos 3.400 metros para atravessar a Cordilheira de Domeyko. Depois a descida pelo meio do deserto de Atacama até cerca dos 2.300 metros em Calama. Sempre longas rectas no meio de uma secura que fazia impressão.
Comprei uma câmara de ar para a roda de trás e encontrei um lugar onde me lavaram o filtro de ar.
A uns vinte quilómetros de Calama fica Chuquicamata, cidade mineira. Existe aí uma das maiores minas, se não a maior, a céu aberto do mundo. Ainda pensei em ir visitá-la mas tinha de ir numa excursão e só da parte de tarde, às três. Resolvi continuar o caminho, ainda nem era meio dia.
Mais umas dezenas de quilómetros pelo meio do deserto em direcção à costa.
Só muito perto de Tocopilla, uns dez quilómetros, a estrada começa a descer dos 1.000 metros até ao nível do mar.
A cidade de Tocopilla pareceu-me muito escura e sem interesse. É um porto de mar para carregar o minério de cobre. Mais tarde soube que nos últimos anos sofreu dois terramotos que quase a destruíram.
A estrada ao longo da costa é interessante mas foi pena a neblina que cobria a zona marítima. O deserto vem até ao mar. Não há vegetação nenhuma, apenas areia e rochas. A faixa costeira por vai a estrada fica encravada entre o planalto do deserto e o mar. Nalguns pontos terá duzentos ou trezentos metros de largura mas muitas vezes foi preciso escavar a encosta para a estrada passar.
Em Iquique estava a ver que não conseguia arranjar sítio para dormir. Os primeiros 4 ou 5 hotéis não tinham lugar. Num deles perguntei porquê e disseram-me que havia uma festa perto da cidade (a mais de setenta quilómetros) e por isso estava tudo ocupado.
Afinal sempre consegui encontrar um lugar. Um pouco caro mas teve de ser. Neste dia tinha feito muitos quilómetros, para a média que costumo fazer, e só queria era um canto para dormir. Até a moto, mais uma vez, ficou dentro do hotel.

Andei pela cidade e fui ver um centro comercial onde me disseram que havia muita coisa e onde os preços eram bons. Afinal os preços não me pareceram muito interessantes pelo que conheço. Apenas os televisores LCD HD de 40 a 46 polegadas me pareceram baratos, entre 600 a 1.000 euros. Também vi um leitor, não reparei se gravador, Blue Ray por cerca de 500 euros. Muitas lojas com roupa e artigos com interesse mas muitas parecidas com as dos chineses, com bugigangas que me pareciam sem qualidade.
Desci à beira-mar e andei um pouco ao longo da costa. O mar é sempre bonito de se ver.
Por aqui já não faz frio.


Fui a La Tirana assistir aos festejos em honra da “Virgen del Carmen de La Tirana”. Disseram-me que era uma das maiores festas religiosas no Chile. Vem gente de todo o lado, até do Peru e Bolívia.
Esta festa tem uma grande dose de paganismo misturada com a parte cristã. Há muitos grupos com roupas mais próprias para desfiles de carnaval que para dançar em honra da virgem.



Também por aqui se vêem pessoas a cumprir umas penitências...
De tarde havia uma procissão com três andores, cada um levado por dezenas de pessoas. Era um grupo enorme para um andor que talvez quatro ou seis, quando muito oito, pessoas poderiam levar.
Os grupos de dança iam acompanhando os andores mas andando para trás de modo a não se voltarem de costas para o andor. Apenas iam cantando as suas canções.
Decidi regressar antes de a procissão acabar para evitar a confusão que seria no final. Mas mesmo assim os autocarros já iam saindo cheios.
Conheci um ciclista brasileiro, Eddy Nilson, que me disse que andava a percorrer a América do Sul. Pensava ir pelo menos até à América Central e percorrer também algumas das ilhas das Caraíbas. Depois veria.
Fui buscar o casaco para arrancar e vi-o a falar com um sujeito. O outro rapaz chama-se Cristian e trabalha na Rádio Dinâmica FM, na Calle Zegres perto do Hotel Cano. Tem uma Suzuki Bandit e disse que se alguém precisasse de ajuda para o contactar que ele tentaria ajudar. Sempre é um ponto de apoio.
Saí, depois de abastecer, em direcção à montanha. A cidade de Iquique fica num espaço ao nível do mar e para seguir é preciso subir outra vez ao planalto do deserto. Em poucos quilómetros volta-se aos mil metros de altitude.
Antes de chegar à Ruta 5 viam-se umas construções antigas e ferrugentas que foram espaços para recolha de salitre. Agora apenas servem como atracção turística. Não parei, pois não sou muito entusiasta de museus.
Em Huara parei para beber alguma coisa fresca e em conversa com um rapaz este disse-me que devia ir ver o “Gigante de Atacama”, o maior “geoglifo” do mundo.
Fiz um desvio e fui ver o tal gigante, uma figura com forma humana formada com pedras numa encosta de um monte. Será o maior do mundo? Não sei.
Voltei ao meu caminho e continuei para Pisagua. Até chegar ao desvio ia vendo se havia alguma bomba de gasolina mas nada. No meio deste deserto as povoações são sempre pequenas e muito distantes umas das outras.
Quando em Janeiro regressava de Ushuaia e parei em Rio Grande a dona do hostal Hotel Argentino, a Graciela, disse que tinha estado em Pisagua há muitos anos e tinha gostado da aldeia. Pensei que seria um ponto a visitar.
Ao chegar à costa, Pisagua apareceu-me ali num recanto junto ao mar. Mais uma descida até ao nível do mar.
A povoação é pequena e muito velha. Há muitas casas abandonadas e a desfazerem-se. O teatro também está a começar a cair aos bocados. Fica mesmo em cima do mar e o guardador da chave disse que o mar muitas vezes entra lá dentro.
Depois de almoçar fui andar um pouco pela costa até um ponto onde me disseram que havia lobos marinhos. Ao fim de uma boa caminhada apareceu-me uma zona de rochas onde lá estavam os lobos marinhos. Tentei aproximar-me um pouco mas um deles acordou estremunhado e assustou-se e começou a fugir. Foram todos para a água.
No regresso, ao passar no centro, comprei umas cervejas e fui para o hostal. Bebi uma delas com o Don Rafael, dono do hostal. Estivemos um pedaço na conversa. Este é um dos lugares onde é agradável estar.
À noite, depois de jantar, também estive na conversa com a cozinheira, Martita como lhe chamam os amigos, e dona da casa onde fui jantar. Senhora com grandes conhecimentos da história do Chile contou-me algumas histórias sobre Pisagua. Pequeno porto que teve os seus tempos áureos no final do século XIX e até meados do século XX com as exportações de salitre e guano. Mais tarde, depois do golpe militar de 11 de Setembro de 1973, foi o lugar de um campo de concentração para os presos políticos. Muitos deles foram aqui fuzilados e enterrados em vala comum. Só passados muitos anos, em 1990, foi possível descobrir essa vala onde nem todos os corpos estavam, alguns nunca mais apareceram.
No dia seguinte fui andar um pouco em direcção a Pisagua Viejo e visitar o cemitério. Ainda não tinha visto nada parecido. Fica numa encosta sobranceira ao mar e as campas têm vedações de madeira, em ripas. Existe lá um memorial em honra dos mortos pelo regime militar. Também lá está a vala comum onde os corpos foram encontrados.
Pisagua já tinha sido um ponto importante na guerra do Pacífico, século XIX, e foi onde desembarcaram as tropas que conquistaram esta zona para o Chile privando a Bolívia de uma ligação com o mar.
Ao final da tarde chegou um motociclista chileno, o Mário Vargas, com uma Yamaha Teneré. Estivemos um pouco na conversa e fomos jantar juntos.
A Marta apresentou uns mariscos com batatas cozidas que até estavam bons. Não sou apreciador de marisco mas nesta terra de pescadores ou há peixe ou marisco.
Tive de voltar pelo mesmo caminho até à estrada principal lá no planalto. Agora era a subir.
Como tinha visto que não havia bombas de gasolina, consegui saber onde comprar alguma gasolina que me permitisse chegar a Arica. Desde Iquique, só no cruzamento para essa cidade em Pozo Almonte havia gasolina e até Arica não há nenhum posto. São muitos quilómetros sem ter onde abastecer.
Nesta jornada em duas ocasiões em que a estrada desce por um vale até perto da costa e depois volta a subir por outro vale até ao planalto se vê nesses vales um pouco de verdura devido aos rios que pouco maiores são que um ribeiro seco. De resto sempre e sempre tudo muito seco.
Em Arica encontrei um hostal que não tem garagem mas deu para meter a moto num pátio interior em frente do balcão da recepção.
Depois de um duche fui dar uma pequena volta pela cidade.

De repente vejo um camiao verde a passar. Eram o Jurgen e a Petra. Estão num parque de campismo junto a uma praia na saída mais a norte da cidade.
“Die welt ist klein” .
Agora penso ficar mais uns dias por aqui e depois voltar à Bolívia.
Arica, S 18º 28,812’ W 70º 18,862’

quarta-feira, julho 09, 2008

De Uyuni a S. Pedro de Atacama

Na última semana em Uyuni apenas a véspera de S. João foi diferente do normal. Como faz muito frio pela noite dentro as pessoas acenderam fogueiras por todo o lado. Com o Nuno e a Joana juntei-me a um grupo perto do hotel onde estava. Sempre com uma bebida na mão íamos conversando sobre tudo e mais alguma coisa.
Conheci dois guias, o Carlos e o Edgar, que fazem a volta pelas lagunas até à fronteira do Chile. Disseram-me que deveria fazer esse circuito pois era muito interessante apesar de as estradas serem bastante fracas e com mau piso.
Durante estes dias as conversas com o Nuno e a Joana serviram para ter uma ideia do que me espera mais para a frente.
A Carola, alemã que conheci em Viedma, queria fazer essa travessia e não queria ir só. Eu tinha-lhe dito que não estava muito inclinado a fazê-la mas depois de conversar com estes guias resolvi enviar-lhe uma mensagem dizendo para vir até Uyuni e poderíamos ir juntos.
Ela estava em Sucre e respondeu-me dizendo que em poucos dias estaria em Uyuni com uma família alemã que conhecera e andava num camião. Também eles queriam fazer esse trajecto.
No domingo ao início da tarde a Carola chegou e um pouco depois também o camião, um velho Mercedes com mais de vinte anos, aparecia por ali. O Jurgen e a mulher, Petra, com a sua pequena Laila de dois anos.
Fomos jantar todos juntos com o Nuno e a Joana.
Na segunda de manhã fomos comprar alguma comida e água para a travessia.
Antes de sair mais uma foto com os portugueses.
A seguir ao almoço saímos para o salar pois eles queriam dormir na ilha Incahuasi e eram perto de cem quilómetros até lá. Montei a minha tenda junto da ilha e fiquei a pensar no que seria passar a noite com a temperatura a descer até aos dez graus negativos como disse um casal que tinha ficado ali na noite anterior. A altitude do salar é de 3.665 metros, o ponto mais alto onde iria acampar e dormir até ao momento.
A Carola iria dormir no camião com os compatriotas.
Consegui sobreviver a uma noite fria de oito graus negativos. A água congelou dentro da tenda.
Pus a moto ao sol para aquecer um pouco a bateria e ser mais fácil começar a andar.
Seguimos para a saída do salar e fomos seguindo a rota que o Chuck me havia dado, mas nem sempre era coincidente.
Em terra firme começou o caminho com pedra solta e areia.
A 3 quilómetros de San Juan caí numa zona de areia. A Carola ajudou-me a pôr a moto de pé.
Na aldeia conseguimos comprar gasolina mas a 5,5 bolivianos por litro. O preço normal ronda os 3,74 bolivianos. Toda a travessia tem cerca de 550 quilómetros e apenas se encontra gasolina nalgumas lojas particulares. Mesmo com um bidão de seis litros que levava não teria autonomia para o percurso todo. Nos primeiros duzentos quilómetros fiz uma média de 7 litros aos cem. A muita areia e a altitude faziam aumentar o consumo.
Ficámos no Alojamiento Licancahur onde um grupo de quatro miúdos nos foi dar as boas vindas cantando algumas canções. Na aldeia um gerador fornecia energia eléctrica das 7 às 9 horas.
Na hora da saída o descanso lateral da moto da Carola partiu-se. Iria ser um problema quando parasse ou se eu caísse e precisasse da sua ajuda.
Seguimos pela borda do salar procurando acompanhar o trajecto que o Chuck me deu. Os trilhos eram vários e num ponto onde deveria ter cortado à esquerda quase não se via o trilho e continuámos em frente. Via-se uma pequena aldeia e pensei que seria apenas o acesso para lá. Ao fim de uns dez quilómetros começou a aparecer lama e a moto escorregava de vez em quando. Num carro que vinha de frente o condutor confirmou que estávamos longe do desvio.
Voltámos atrás e entrámos nessa aldeia, Chiguana, depois de cruzar a linha do comboio. Mais parecia apenas um quartel militar que uma aldeia normal.
O trilho continuava junto da linha do comboio e depois cortava à esquerda para entrar na montanha. A estrada ia subindo e começaram as pedras e areia. Nalguns pontos havia uns trilhos alternativos que nem sempre eram melhores.
Numa zona de pedra a moto fugiu um pouco e o cárter deu uma pancada numa pedra e fui ao chão. Caí num sítio que até nem seria dos mais complicados. A Carola estava para a frente e tive que esperar pelo Jurgen para me ajudar a pôr a moto de pé. Nesta ocasião levou alguma da minha bagagem no camião.
Ao fim de uns quilómetros havia uma estrada nova e respirámos de alívio pensando que agora seria melhor para andar.
Uns dois ou três quilómetros à frente era necessário sair dessa estrada e voltar a um caminho estreito e com muita areia. Pouco depois começava uma subida com curvas e muita pedra e foi mais uma queda. Tive que tirar a mala direita para conseguir pôr a moto de pé. A Carola ao arrancar também caiu e tive de ajudá-la.
Fomos sempre subindo até cerca dos 4.300 metros.
Andámos um pouco mais e resolvemos ficar aí em plena montanha para passar a noite. Penso que foi próximo do vulcão Ollagüe.
O Jurgen disse que podia dormir na cabina do camião e assim não precisei de montar a tenda. O chão era de muita pedra com areia por baixo, muito parecido com saibro.
Nesta ocasião estávamos nos 4.200 metros de altitude.
Depois de uma noite gelada o dia começou com muito frio. No altiplano, como chamam a esta região, as noites são sempre muito frias havendo muitas em que as temperaturas baixam até aos quinze ou vinte graus negativos.
Ao fim de uns quilómetros caí numa descida com muita pedra. Valeu-me um turista que seguia num jipe logo atrás de mim. Saiu e ajudou-me a pôr a moto de pé.
Atravessámos zonas com muita pedra pequena por cima de uma espécie de saibro.
Ao chegar à laguna Hedionda havia bastantes jipes com turistas. Apenas alguns flamingos na lagoa. Nesta época de inverno migram quase todos.

Nem sempre se podia apreciar a paisagem pois era preciso ir sempre com os olhos na estrada por causa da areia ou pedras. O piso tipo lavadouro era uma constante e muitas vezes também com areia e pedras. Continuámos no meio de muita areia a subida até à “Arbol de Piedra”. Meia dúzia de quilómetros antes a Carola fica sem gasolina. Começámos, com uma garrafa de água de meio litro, a tirar da minha moto para a dela mas pouco depois chegou o Jurgen com o camião e a reserva de gasolina. Um jipe tinha parado mas não tínhamos bidão para a transferência.
Na Arbol de Piedra a Carola limpou o filtro do ar mas mesmo assim a moto estava a trabalhar mal e gastava muita gasolina. Estávamos a rolar quase sempre acima dos 4.300 metros.


Antes da laguna Colorada a minha moto pede a reserva e pouco mais à frente nova queda numa zona de areia. Consegui pôr a moto de pé sem tirar as malas.
Na entrada para o Parque Natural Eduardo Avaroa, junto da Laguna Colorada, tivemos de pagar trinta bolivianos cada um. Aí conseguimos mais alguma gasolina a 6 bolivianos. Os jipes dos turistas transportam gasolina e depois de atestarem os seus depósitos sobra alguma que podem vender. Mais uma vez calculei que o consumo andaria nos 7 litros por cem quilómetros.
Já era o final da tarde e fomos dormir num miradouro sobre a lagoa.
Mais uma noite fria no altiplano, dentro da cabina do camião.

Disseram que a estrada seria melhor a partir daqui mas continua igual. Muita areia e o piso tipo lavadouro que às vezes é bem profundo.
Fomos continuando e subindo, sempre com areia e pedras, até ao posto fronteiriço para controlo dos veículos. A moto da Carola não conseguia subir. Muito devagar lá ia andando mas muito a custo. Voltou a limpar o filtro do ar mas mesmo assim custava a andar.
Na zona dos 4.900 metros parou mesmo e ela seguiu no camião. A minha foi subindo mas nos 5.000 metros foi preciso ir muito devagar e em primeira velocidade. 5.020 metros era o indicado na Aduana mas o GPS indicava 5.035 metros.
Voltámos novamente ao saibro e a descer até perto dos 4.400 metros.
Ao chegar à zona dos “geysers” havia um primeiro que mais parecia um tubo a descarregar vapor. Ouvia-se mesmo aquele som profundo.
No meio do cheiro do enxofre dava para ver o vapor de água a subir. Em muitos pontos a água borbulhava a ferver.


Ficámos na Laguna Salada. Consegui arranjar um quarto para dormir numa casa que tinha um espaço onde os turistas que vinham nos jipes tomavam o pequeno almoço.
Soube bem dar um mergulho numa pequena piscina com água quente depois de tantos dias sem um duche.
Na casa onde fiquei não havia electricidade e a partir das sete e meia fechavam a porta. Tive de me deitar cedo, mas já era costume nestes últimos dias. Às seis e meia já é noite e faz frio.
Pelas sete da manhã os jipes com turistas começaram a chegar. Paravam para um pequeno almoço depois de passarem pelos geysers. Num dos jipes vinha o Carlos, guia que conheci em Uyuni na noite de S. João.
Como normalmente saíamos pelas onze horas, aproveitei para dar uma limpadela no filtro de ar. Estava cheio de pó.
Fomos continuando para a fronteira e já próximo seguimos até à laguna Verde. Muito bonito com o vulcão Licancabur ao fundo. Aproveitámos para fazer uma foto do grupo.

Subimos outra vez até ao posto fronteiriço, nos 4.300 metros. Desta vez para controlo das pessoas.

Uns três quilómetros depois estava a estrada de asfalto para S. Pedro de Atacama.
Sempre a descer por trinta quilómetros até aos 2.400 metros. Descida impressionante. Os camiões em sentido contrário subiam a passo de caracol.
No posto fronteiriço em S. Pedro esperámos um pedaço pelo camião que teve problemas de travões na descida, mas chegou bem.
Na cidade conseguimos encontrar um parque de campismo depois de umas voltas. Fomos jantar para comemorar a travessia. Foram uns dias duros mas no final estávamos todos contentes por termos conseguido chegar sem problemas de maior.
Apesar de estarmos uns dois mil metros mais baixo as noites ainda são frias. Durante o dia até faz calor.
Quando perguntei onde poderia lavar a moto o dono do camping disse que tinha uma máquina de pressão e lavou-nos as motos. Lubrifiquei a corrente que bem precisava.
Agora vou tentar dar uma volta pelos arredores e depois seguir para a costa do Pacífico a ver se faz menos frio.

KM 16657, S. Pedro de Atacama, S 22º 54,802’ W 68º 12,035’