quinta-feira, abril 24, 2008

Depois da montanha na costa do Pacífico

Antes de sair de Mendoza ainda fui visitar uma “bodega”, a Finca Flichman. Por acaso esta adega é de uma empresa portuguesa que tem mais outras nalguns países da América do Sul.
Era o único visitante à hora em que fui até lá. A época das visitas coincide com as vindimas que já estão a acabar. Está lá um enólogo português a trabalhar há quatro anos.

No sábado de manhã fui trocar o pneu de trás que já estava a ficar careca como eu.
Saí em direcção às Termas de Villavicêncio para fazer uma estrada que o Hamish me tinha indicado. Assim também evitava a Ruta 7 que faz a ligação com o Chile e tem muito trânsito de camiões. Esta estrada é a principal ligação do porto de Valparaíso, no Chile, com a Argentina para os produtos que entram e saem do país em direcção ao oceano Pacífico. Também vi bastantes camiões brasileiros.
A estrada para as termas é razoável até entrar na montanha. Aqui fica mais estreita e pouco depois acaba o asfalto e começa a terra.
A estrada de terra sobe pela montanha acima sempre às curvas e curvinhas, talvez de uns mil e quinhentos metros até aos três mil de altitude. São cerca de vinte quilómetros sempre a subir. É um espectáculo muito bonito. Todas aquelas curvas vistas de cima fizeram com que chamassem àquela estrada os “Caracoles de Villavicêncio”. Vale a pena a vista lá do alto com algumas árvores cheias de folhas amarelas por causa do Outono já adiantado. O miradouro fica a dois mil e duzentos metros de altitude.
A estrada segue depois um pouco para o interior da montanha mas sempre subindo. Aos três mil metros volta a descer em direcção a Uspallata, mas antes ainda tem um pequeno barranco, chamado “El Balcón”, do lado direito que também impressiona. Até está vedado e só se pode ver o início.


A partir de Uspallata segui pela Ruta 7 para a fronteira.
A estrada, com um piso muito bom, sobe por um vale espectacular. As encostas são muito secas e nalguns pontos têm um tom rosado.
A antiga linha do comboio internacional está abandonada e acompanha a estrada durante muito tempo. Sobe até à fronteira e continua para o Chile.
Passei pela Puente del Inca sem a ver e fui indo até ver o acesso para o Parque Provincial Aconcágua. Perguntei se havia parque de campismo lá dentro e disseram-me que não.
Voltei para trás e fui até Los Penitentes onde meti gasolina e arranjei um hostal para dormir.


No dia seguinte fui até ao Parque do Aconcágua para ver a montanha. Estava sol e não fazia frio.
No Parque Provincial do Aconcágua só existem lugares para acampar a grande altitude. Poderia ter ido até ao primeiro mas era necessário carregar todo o equipamento. A tenda que tenho é pesada e a minha mochila é pequena para levar tudo, além disso não tenho preparação física para subir até lá. Mais acima já será só para quem quer subir a montanha e aí é preciso ser mesmo um andinista.
Andei um pouco por um trilho até ao ponto em que começa o acesso aos acampamentos de alta montanha. O cerro Aconcágua só o vi de longe. O vale tem duas pequenas lagoas e um rio.



No regresso à minha base parei na Puente del Inca, localidade, para ver a dita cuja ponte.
A ponte de rocha natural está vedada ao público desde 2005 pois ameaça ruir. Já existem planos para a reforçar pois é um ponto de atracção turística muito importante. Por baixo ainda existem as ruínas de um hotel construído no início do século XX para aproveitamento das águas termais que brotam da montanha. Mas em meados do mesmo século umas avalanches de neve destruíram quase todo o complexo termal e tudo foi abandonado.
As cores das rochas são devido à acção das águas ao longo dos anos e à sua diferente composição.


Quando na manhã seguinte estava para sair a moto não queria pegar. Custou um bocado. Não sei se devido à altitude, cerca de 2.600 metros, ou se calhar tenho de mudar as velas. Até agora tem pegado sempre bem.
Na subida até à fronteira, o túnel do Cristo Redentor fica a 3.200 metros, não teve problemas e acelerava bem.
Nalguns pontos ao longo da estrada a água estava congelada. O Outono já se faz sentir.
Ao entrar no túnel no lado argentino as motos não pagam portagem mas no lado chileno depois de tratar das formalidades tive de pagar. Havia um cartaz a dizer “todos pagam peaje”. Já noutras ocasiões tinha visto o mesmo nas auto estradas chilenas como vim a ver mais tarde.
A descida para o Chile impressiona nos primeiros quilómetros. A estrada segue aos SSS pela montanha abaixo. As fotos que já havia visto não mostram o que é na verdade.

Mais abaixo o vale deixou de ter as paredes de rocha nua e começou a ter verdura.
Ia com a ideia de rumar a Viña del Mar ou Valparaíso mas o tempo fez-me mudar de ideias. Estava frio e o céu estava carregado de nuvens. Ainda cheguei perto de Viña del Mar mas resolvi dar a volta e seguir para norte, talvez o tempo estivesse melhor.
Ao passar em Ventanas havia uma manifestação numa fábrica e pensei tirar uma foto mas a polícia não me deixou parar.
Contornei a costa à procura de um sítio para dormir mas não havia nada. Entrei em Zapalla e nada. Continuei até Papudo, uma pequena povoação piscatória. Aí encontrei.



Hoje não posso cantar o "Grândola vila morena" com o povo da terra pois eles não conhecem a revolução de Abril, mas vou cantar sozinho e ouvir um pouco de música de Zeca Afonso, Sérgio Godinho e Jorge Palma.
Viva o 25 de Abril!
Km 11166, Papudo, S 32º 30,387’ W 71º 26,840’

quinta-feira, abril 17, 2008

Mendoza, a terra do vinho

Os dias na finca iam passando lentamente e já sentia vontade de voltar à estrada, mas também sabia bem estar ali. Eles tinham vários livros sobre viagens e sobre alguns países, pois já deram uma volta ao mundo há meia dúzia de anos, cada um na sua moto. Quando passaram na Argentina ficaram com o pensamento de um dia regressarem e fixarem-se por cá. Depois de chegarem a Inglaterra não demoraram muitos meses a tratar de deixar os empregos, vender a casa e rumar à nova terra.

Li um livro, ou melhor quase todo, sobre a viagem que o primeiro motociclista fez à volta do mundo. Pelo menos tem sido considerado. Foi um norte americano que durante dezoito meses, nos anos 1932/33, partiu de Londres em direcção a leste e atravessou a Europa e a região onde hoje ficam a Arábia Saudita, Iraque e Irão. Passou pela Índia e sudeste asiático. Cruzou depois a América do Norte até casa. Ele estava a estudar na Europa e regressou a casa de moto contornando o mundo. O livro é “One Man Caravan” de Robert Edison Fulton, Jr. e pelo que disseram não é fácil de encontrar. Foi publicado em 1937 e depois nos anos sessenta, já não me lembro qual. A história é fantástica, pena o meu inglês não ser bom. Tem fotos que hoje são como documentos históricos.
Depois de mais umas nozes recolhidas fui com o John tratar de guardar as ameixas que estavam a secar. As ameixas são o produto que a quinta mais tem. O frio aproxima-se e a humidade das noites já é muita. No dia em que tratámos disso o sol não estava muito forte.
No dia seguinte, sábado, o tractor avariou e não foi possível pô-lo a trabalhar. Ainda se atou uma corda a um velho jipe Ford com 25 anos, o tractor tem quarenta, e comigo a conduzir o jipe e John no tractor mas nem assim. O tractor era pesado e ia de rasto sem o motor rodar. Ao fim de uns minutos a embraiagem do jipe começou a fumegar por causa do esforço. O melhor foi parar senão eram dois problemas.
Na segunda tirei um dia de folga e fui ver o cañon do rio Atuel. Fica perto da cidade, uns trinta quilómetros, e diziam-me que não podia passar sem o percorrer, mais uns cinquenta.
O percurso que fiz foi da parte mais baixa para cima. Foi muito bom.
De início tem muitas árvores junto ao rio e nalguns pontos mais abertos há parques de campismo, restaurantes e empresas de aventura para andar no rio.
A certa altura uma barragem forma um lago, que nesta ocasião estava um pouco baixo. Depois a estrada de asfalto acaba e começa a terra. Mas a paisagem compensa.

Andar ao longo do rio com a estrada quase suspensa das paredes foi muito agradável.
Na parte final a estrada subia para onde ficava outra barragem só que nalguns sítios notava-se que a estrada estava partida por deslizamentos de terra, até pelos degraus que era preciso subir. Só pensava que seria muito azar se houvesse um quando eu fosse a passar. Depois para regressar à finca foram mais oitenta quilómetros, mas agora a estrada era de asfalto bom e novo.





Na terça foi dia de arrancar outra vez. Em direcção a Mendoza a estrada ainda vai no meio de planícies enormes. Nota-se mais humidade e ao longe começa-se a ver os cumes das montanhas. A neve que caiu nos últimos dias já reforçou a que nunca derrete.
Mendoza é a cidade capital da província com o mesmo nome. Aqui produzem-se milhões de litros de vinho, dizem que setenta por cento da produção argentina.


Procurei a casa de três portugueses que estão por cá a estudar enologia, espero que regressem com bons conhecimentos para ajudarem o “nosso” vinho a melhorar ainda mais. Dois são de Moncorvo e um de Carviçais e estão a melhorar os seus estudos que iniciaram na Universidade de Vila Real.
A cidade de Mendoza é muito aberta e arejada. Foi reconstruída depois de um terramoto em 1861 que a destruiu por completo e então pensaram que o melhor seria ter ruas largas e praças grandes para na eventualidade de um novo terramoto as pessoas poderem fugir sem haver o perigo de as casas lhes caírem em cima.
Já andei às voltas pela cidade para a conhecer um pouco, enquanto os estudantes vão para a escola ou para o trabalho, pois têm de tentar algum dinheiro para ajudar às despesas. As bolsas de estudo da sua Universidade nunca mais são aprovadas, até parece que estamos na Argentina, e daqui a pouco, Julho, já têm de regressar a casa.



Agora só me falta ir visitar uma “bodega”.

Km 10502, Mendoza, S 32º 53,646’ W 68º 51,254’

quarta-feira, abril 09, 2008

San Rafael, uns dias na finca

Depois de umas semanas em Buenos Aires já era tempo de recomeçar a andar.
A moto apenas precisou de uma mudança de óleo e filtro e estava pronta. Eu precisei de mais tempo para curar uma alergia que há várias semanas me apoquentava. Já estou bom e pronto para mais uns quilómetros.
Renovei o seguro por mais seis meses, não sei o tempo que vou andar por aqui e é melhor prevenir. Quando fui buscar o seguro ainda fui espreitar uma manifestação na praça de Maio, junto à sede do governo. Milhares de pessoas em apoio ao governo num braço de ferro que este tem com os agricultores, que estão em greve há cerca de um mês, por causa de uma taxa que impôs sobre a exportação da soja. Alguns produtos já começam a faltar nos mercados.
Na quarta, feriado nacional celebrando a reivindicação da soberania sobre as Malvinas, saí com alguns bonaerenses em direcção a San Pedro, a norte de Buenos Aires, para um almoço de confraternização de alguns “transalpeiros”. Já em Outubro quando iniciei a minha viagem pela Argentina fui a um encontro das Transalp.
No final do almoço, onde não houve bebidas alcoólicas!!!, e depois das fotos da praxe despedi-me do pessoal e apontei para San Rafael, na província de Mendoza, já mais ou menos próximo dos Andes. Há lá um casal de ingleses que tem uma finca, como chamam às pequenas quintas, e vou passar lá uns dias.

Atravessar este enorme país é um pouco monótono. São centenas de quilómetros de planícies. A estrada passa no meio de campos de soja ou milho com muitos quilómetros de extensão e de alguns nem se consegue ver a profundidade. Muitas máquinas a ceifar os campos e camiões a transportar os produtos eram uma constante.
De vez em quando há pequenas lagoas à face da estrada com muitas aves. Alguns flamingos e bastantes patos. Penso que os patos estarão a fazer a sua migração anual, pois também vi vários bandos no ar.
Numa das paragens que fiz para comer vi na televisão que a greve dos agricultores tinha sido suspensa por trinta dias. Parece que a manif deu resultado.




Já muito perto de San Rafael tive de parar na berma, por azar ao sol, por causa de uma corrida de ciclistas. Mas por sorte foram só três ou quatro minutos.

Ao chegar a San Rafael parei à saída de um cruzamento para tentar saber o caminho para a finca, que já sabia não ser muito fácil de encontrar, quando passou um velho jipe que parou logo à frente. Também me pareceu ver uma cara conhecida. Era a Annette que vendo a moto parou para saber se estava perdido. Quando viu que era eu disse para segui-los até à quinta.
Mais tarde soube que ela ia sair com uma amiga por uns dias, mas eu podia ficar. Ajudaria o John nalguns trabalhos. O que tenho feito mais é apanhar nozes e pô-las a secar, mas não é preciso correr muito.
No domingo ao mover a moto vi que a roda da frente mais uma vez estava em baixo. Era o remendo do primeiro furo que tive há mais de três meses que estava a perder ar. Substituí a câmara por uma nova que comprei há tempos e agora vou pedir para me repararem a outra.
Na segunda-feira foi dia de água. A quinta tem direito a água, um dia por semana, para regar. Um canal distribui a água pelas várias quintas. A quinta tem milhares de ameixoeiras que apesar de a colheita já ter sido feita no início de Março necessitam de ser regadas. Também a vinha e dezenas de nogueiras reclamam água. Dentro da quinta há várias derivações para levar a água a todo o lado, mas é preciso abrir e fechar comportas e o John andou todo o dia nesse trabalho.
Penso ficar por aqui até ao final da semana e depois seguir para Mendoza, que é relativamente perto.
Km 10015, San Rafael, S 34º 36,184’ W 65º 29,737’