sábado, agosto 23, 2008

Últimos dias na Bolívia, por agora

Estes dias passados em Sucre até foram bastantes agradáveis. Apesar de se sentir no ar uma certa tensão na cidade não houve problemas como noutros pontos do país.
Saí em direcção a Santa Cruz de la Sierra rumo ao Brasil.
Pensei seguir uma estrada que o Hamish me tinha indicado mas não atinei com a direcção e quando dei por mim já ia numa outra que também dava para o mesmo destino.
Ao fim de uns 90 quilómetros, em Puente Arce, acabou o asfalto e começou uma estrada de terra, não rípio. A paisagem era bonita, subindo e descendo, mas o pó era muito no chão. Parecia manteiga, várias vezes a moto deslizou. Ao cruzar com os camiões era preciso parar pois não se via nada. E quando me aproximava de algum para ultrapassar? O que vale é que não eram muitos e andavam sempre muito devagar nas subidas e descidas.
Mais para o final da tarde cheguei à estrada de asfalto que vem de Cochabamba.
Até que enfim estrada em condições!
Mas foi sol de pouca dura. Pouco depois começou a chover e a estrada também ficou pior, muitos buracos no asfalto e desabamentos que reduziam a largura a menos de metade nalguns sítios.
A noite aproximou-se rapidamente e na primeira povoação que encontrei, Los Cerros, consegui que me indicassem um “alojamiento” onde ficar. Tinha planeado ir até Samaipata, uns 50 quilómetros mais à frente, mas devido às condições achei melhor parar por ali.
No dia seguinte vi que tinha sido a melhor opção.
O sol voltava a aquecer e a estrada continuava por vales espectaculares com muita verdura e rios com água mas também estava mais degradada. De noite iria ser difícil evitar alguns dos buracos, para mais com a chuva.



Uns trinta quilómetros antes de Santa Cruz começou a haver muito movimento de carros na estrada. Sentia-se a aproximação a uma cidade grande e era bem grande.
Na praça principal havia umas tendas com pessoas em greve de fome como forma de pressão sobre o governo. Querem a devolução de um imposto que teria sido indevidamente utilizado.
Finalmente tive uma refeição de peixe. Após muitos e muitos dias a comer carne e “pollo”, melhor dizendo frango, encontrei um pequeno restaurante que serve peixe, óptimo peixe.
Na Bolívia quase só há “pollo”. Por ser o mais barato toda a gente pede frango e por todo o lado há casas que só servem frango. A carne de “rês” costuma ser dura.
Uma coisa que está a mudar é a temperatura. Durante o dia começa a aquecer e à noite pouco arrefece. Para mim vão começar dias de sofrimento, quando as temperaturas passam dos 27/28 graus já é uma tortura.

No domingo a greve de fome foi levantada e todas as tendas saíram da praça, mas… foi decretada uma greve geral para a terça-feira seguinte. São estes problemas que me levam a querer sair da Bolívia, talvez mais tarde volte.
Continuei para San José de Chiquitos pensando que teria uma viagem tranquila mas não foi bem assim. Tinham-me dito que a estrada até à fronteira com o Brasil estava em obras mas que se podia passar, como vim a confirmar mais tarde. E também me disseram que até San José já estaria toda asfaltada e depois havia vários troços em obras.
Mas era tudo ao contrário.
Saindo de Santa Cruz há uns cinquenta quilómetros de asfalto e no final, em Pailon, há uma ponte para atravessar só com uma via. Tive de esperar quase uma hora que viessem os carros e camiões do outro lado para podermos atravessar os deste lado. Quando chego perto da ponte vejo os trilhos do comboio e penso: tudo na mesma ponte, não admira a demora.
Entro na ponte, só de uma via, e de cada lado dos trilhos há três fiadas de tábuas grossas por cima das travessas. Vou ver se não caio nesta travessia, penso eu, seria um engarrafamento se caísse e como a moto está pesada iria ser o cabo dos trabalhos pô-la de pé outra vez.
Fui seguindo na fiada do meio tentando não me desviar para não enfiar uma roda entre as tábuas. A certo ponto: Ui, falta ali uma tábua na linha do meio e agora?
As travessas estavam mais juntas mas mesmo durante uns metros ainda trepidou um bocado. Mais à frente faltava outra tábua, mas aí já era a segunda…
A ponte teria uns quatrocentos metros de comprimento e no fim era preciso atravessar os trilhos para o outro lado. Um rapaz que ia à minha frente caiu ao tentar. Parei a estudar o melhor sítio e atravessei. Estacionei a seguir e fui ajudar a tirar a moto do meio dos trilhos.
Andei meia dúzia de quilómetros e vi um sinal meio esquisito a dizer San José para o lado direito. Mas afinal como é? A estrada de asfalto segue em frente e eu tenho de entrar numa de terra? Não era isto que eu esperava.
Um letreiro dizia 125 quilómetros de estrada em obras e lá tive de seguir.
Estrada de terra com muitos pontos em que o pó era tanto que não dava para imaginar como seria o fundo da estrada. Parecia mais ou menos liso e por baixo havia pedras e buracos mais fundos. Várias vezes a suspensão da frente bateu no fundo. Eu bem tentava travar quando chegava perto dos buracos mas mesmo assim não dava.
Ah, e quando havia carros ou camiões? Era mesmo impossível andar. Era preciso parar e aguardar um pouco até se conseguir ver alguma coisa.
Era preciso muito cuidado pois nessas zonas de pó às vezes a moto deslizava. Não era como areia em que a roda da frente prende e torce mas desliza lateralmente como se fosse lama.
Desta vez cheguei já de noite ao destino pois a estrada não era o que tinha esperado, mas consegui chegar sem problemas, a não ser o pó que tinha nos olhos. A partir de certa altura tinha de ir com a viseira aberta, senão não via nada.San José de Chiquitos tem uma antiga missão jesuítica em recuperação.
Quase todas as casas têm um alpendre para se poder andar na rua sem apanhar sol. Ou será para as pessoas simplesmente estarem aí a descansar na sombra, como vi muitas. Hoje era o dia da greve geral e estava quase tudo fechado.
O calor é que vai aumentando.
Agora já não acredito no que me dizem e procurei sair cedo para chegar cedo a Roboré. Várias pessoas me disseram que era uma povoação bonita mas não achei nada de especial, mas fiquei por aqui.
A estrada até que já está quase pronta. Nalguns pontos ainda em obras, principalmente nas pontes, é preciso sair do asfalto e andar meia dúzia de quilómetros na terra mas depois volta-se ao asfalto.
A estrada é pouco interessante. A região é muito plana e seca com árvores pequenas. Não se vê muita erva verde apesar de haver gado que até na estrada se alapa e não liga nada ao movimento de veículos.

Procurei sair cedo de Roboré pois disseram-me que apesar de a estrada estar quase toda asfaltada ainda havia pontos em obras e poderia demorar um pedaço a atravessá-los. Até para fugir um pouco ao calor.
Os cerca de 250 quilómetros de estrada já estão quase asfaltados e tirando aqueles pequenos desvios nalguns pontos só havia um troço de uns trinta quilómetros que ainda era preciso ir pela estrada antiga.

Cheguei mais ou menos cedo à fronteira e até tive que esperar que a alfândega boliviana abrisse da parte de tarde.
No Brasil foi mais complicado. Na entrada da fronteira não tinham a Polícia Federal para carimbar o passaporte e tinha de ir ao centro da cidade, a uns quinze quilómetros, para isso e depois voltar para tratar da moto. Eu disse que não tinha jeito nenhum andar para trás e para a frente e um deles telefonou a perguntar se poderia tratar de tudo no centro e eu segui.
Só que no ponto aonde fui também só tratavam dos papéis para a moto, tinha de ir à Polícia primeiro. Lá fui à Policia, na Rodoviária, mas quando cheguei o posto de atendimento já estava fechado. Mas como é…?
Bati no vidro e ao fim de um pedaço lá veio um sujeito novo que apesar de resmungar um pouco me carimbou o passaporte.
Voltei à Receita Federal para me tratarem dos papéis para moto.
Já posso entrar no Brasil!

Encontrei um pequeno hotel e um banho refrescante. Tem estado um calor!!!
O que vale é que aqui a cerveja é servida bem fria e sabe bem. Já brindei algumas vezes à saúde dos meus amigos do MCP que à volta de umas cervejas se preocupam se a minha moto vai aguentar muitos mais quilómetros. Espero bem que sim e conforme disse antes de vir o limite da viagem será a saúde e o dinheiro. Se eu tiver saúde e a moto não enquanto for tendo dinheiro para a consertar vou continuando. Quando só tiver dinheiro para pagar o nosso regresso aí penso em voltar. Por agora ainda não estou mal de todo.
O que tem andado um pouco mal são as minhas máquinas fotográficas. Estão as duas a ficar com as funções avariadas, mas enquanto funcionarem vão andando. Entretanto vou vendo se encontro uma de susbtituição.
Agora quero descobrir o Brasil, apesar de não estar nos meus planos iniciais.

Corumbá, S 19º 00,459’ W 57º 39,047’

10 comentários:

fernando_vilarinho disse...

Oi Queirós!
Mesmo com as máquina fotográficas limitadas continuas a tirar fotos muito boas!
Este relato textual foi quase fotográfico tal foi a quantidade de curiosos pormenores que nos contaste.
A tua viagem está cada vez mais interessante. Faço votos que a viagem dure, dure como as pilhas duracel: todo o tempo do mundo!
Um Abraço,

Anónimo disse...

Caro Queirós,
continuas na maior!
Não te preocupes com a Transalp porque difícilmente conseguirias levar uma moto mais fiável. Os tipos que mandaram as bocas devem ter Varaderos...;)
Não comeces já a dizer mal do calor que, como hás-de ver quando te aproximares das praias, tem as suas vantagens:)
Vai bebendoumas caipirinhas à súde do pessoal mas tem cuidado.
Se te aparecer alguém a convidar-te para uma bebedeira de caixão à cova põe-te a andar e não olhes para trás...
Um abraço e força no punho

Mustafá

Anónimo disse...

Parabéns pela bela viagem, Queiros!!! E seja bem vindo ao Brasil. Não te arrependerás de ter decidido a visitar este país. Viajando todos os dias, durante uns dez anos, você verá muita coisa bonita aqui, mas não tudo. E tome cuidado sempre com seus pertences pessoais.

Eduardo Lima disse...

Viva Tiotone,
Conheço a determinação que empenhas aos teus projectos.
Tenho certeza que, não seria um mero contratempo ou uma avaria
a fazer-te desistir, de um projecto importante para ti.
Por isso, fico contente sempre que sinto nas tuas crónicas,
a enorme vontade de continuar essa travessia.
Um grande abraço,
Eduardo

JFAlves disse...

Boas Queirós,
Realmente esta tua viagem está a tomar contornos de epopeia!! ;-)
Um dos meus livros preferidos, de sempre, chama-se "Viagem a ver o que dá". A história em si não tem nada a ver, mas a tua viagem e as tuas crónicas estão também no meu top de preferências.
Continua a deliciar-nos!

Já agora, e por curiosidade, que máquinas fotográficas usas?

TransAlves

Anónimo disse...

DEVES TER ENTRADO NO BRASIL P/ CORUMBÁ .ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL .APROVEITA E VA´A BONITO .
TEM AGUAS CRISTALINAS.
ESTAIS PERTO DO PANTANAL .TOME INFORMAÇÕES.
ABRAÇOS .TE ESPERO EM CURITIBA.

Anónimo disse...

ELDEMIR ZANETTI JR,
CURITIBA .
zanetti506@msn.com

Anónimo disse...

Great Queirós!

Então por que não havias de conhecer o Brasil? Acredito que devas estar cheio de falar espanhol e de atravessar desertos.
A propósito das tuas finanças, li agora um livro que me fez lembrar de ti a cada 5 páginas. É o "Pedalar devagar" e que relata em quase 300 páginas a epopeia de um português e uma suíça que se lembraram de ir de bicicleta até à China. Acabaram por demorar 4 anos e visitar quase toda a Ásia. Muito discretos e com bicicletas quase artesanais privilegiaram o contacto com os nativos de todos os países e regiões por onde se aventuravam. Tinham cartazes onde pediam guarida segura aos habitantes locais. E assim pouparam rios de dinheiro, dormindo nos quintais e casas particulares (e onde calhava). Em contrapartida trocavam experiências. Era bom para ambas as partes. Até as refeições muitas vezes eram partilhadas.

Boa sorte e felicidades e toca de combater o calor!

Grande abraço
Nestes

Anónimo disse...

cuidado em cuzco .não compre nenhum passeio turistico nas ruas .( sempre em agencias ) ha muita fraude e roubo a turistas. por outro lado este lugar é maravilhoso.tudo em volta da plaza de armas é caro..toda informação aonde comer barato pode pedir aos motoristas de taxi..

Anónimo disse...

Queirós,
Era isso que estava procurando um relato a respeito das estradas na Bolívia, principalmente no trecho de Corumbá BR a Santa Cruz de La Sierra.
Mesmo tendo mais de anos a sua informação é de grande valia.
Sucesso nas aventuras.