quarta-feira, março 11, 2009

Panamá, cidade de Panamá

Atravessar o Darien Gap é uma tarefa quase impossível. Na última crónica tinha dito que uma estrada teria sido construída e depois abandonada por causa de problemas surgidos na região. Tinha lido algumas coisas sobre este assunto e deduzido isso.
Agora conheci uma versão diferente. A estrada nunca foi construída. Os americanos dos Estados Unidos não deixaram que se construísse a estrada para atravessar o Darien Gap para poderem controlar a importação de gado dos países da América do Sul.
Seria mais fácil verificar as condições de saúde dos animais quando os barcos chegassem aos portos do que se fossem transportados em camiões. Queriam evitar o contágio dos seus próprios animais.
Foi esta a história que me contou um estado-unidense, o James, em Cartagena.
Chegou no barco em que fiz a travessia para o Panamá. Com ele ia um casal de sul africanos, o Johan e a Charmain, que anda a dar uma volta ao mundo de moto. Disseram-nos que a travessia tinha sido terrível com o barco sempre a abanar.
Entretanto chegou um espanhol, melhor dizendo basco, o Orkatz, com uma Harley e um alemão, o Marko, com uma Virago. Eu quando os vi nem queria acreditar que estavam a usar esse tipo de motos para andar por estes países. Ambos disseram que eram as suas motos e nunca lhes deram problemas. Claro que nas estradas de terra era um pouco mais complicado andar.
Na quarta-feira dia 4 ainda chegou outro alemão, o Axel, e um casal de canadianos, o Dug e a Cheryl, também com a ideia de passar para o Panamá. Mas estes três já tinham feito uma reserva para o barco, o Stahlratte.
Eu, o Orkatz e o Marko apenas falamos com o capitão do barco para ele nos levar e não houve problema.
Na sexta de manhã ainda se juntou mais um grupo de pessoas que anda a viajar sem veículo próprio.
Depois de quase uma semana em Cartagena seria bom ir para o mar. Poucas vezes saía do hostal para grandes passeios. O calor era sufocante e mais valia ficar a beber umas cervejas bem frias e conversar que andar na rua.

Na quinta fomos tratar das papeladas e carregar as motos no barco. O Stahlratte é um veleiro de 40 metros e já uns bons 130 anos de idade. Tem motor mas navega sobretudo à vela.

Quando saímos do porto içaram-se as velas e o barco lançou-se a toda a velocidade para o alto mar. Aqui começou mais uma experiência que tão cedo não esquecerei.

O vento era forte e fazia balançar o barco para a esquerda e para a direita de tal maneira que dava a impressão que iria fazê-lo ficar de patas para o ar. Mas o barco aguentava e ia subindo e baixando nas ondas que cada vez eram mais altas. De repente lá vinha uma onda mais alta e a água salpicava tudo. Logo a seguir uma rajada de vento inclinava o barco até a água começar a entrar na coberta. Quase sempre a inclinação era para o lado esquerdo.
Consegui aguentar sem enjoar mas quando queria ir à parte mais baixa onde ficava o dormitório não aguentava muito tempo. O calor abafado fazia-me ficar mal disposto.
Na hora do almoço alguns não quiseram comer mas eu disse que não podia passar sem comer.
E toda a tarde o barco subia e baixava e inclinava uma e outra vez.
Para andar era um perigo. Era preciso ir sempre agarrado a qualquer coisa para não cair ou ser projectado borda fora.
O final da tarde o capitão perguntou se alguém queria ajudar nos turnos de vigia e condução durante a noite. Alguns disseram que sim e a mim calhou-me ficar da meia noite até às três da manhã.
Não conseguiria dormir mas por volta das oito e meia fui para a cama para descansar um pouco. Às vezes parecia que ia cair abaixo com a inclinação que o barco alcançava.
Por volta das nove ouvi um grito, em alemão, e vejo o Marko e o capitão a correrem para cima. A tripulação era toda alemã.
Pus-me a pé e fui ver o que se passava.
O vento estava a tornar-se mais forte e uma rajada mais forte tinha rasgado uma vela. Foi preciso baixá-la e ainda uma outra. A partir daí o barco manteve-se mais estável. Ainda inclinava mas já não metia medo.

À meia-noite fui fazer o meu turno mas o vento já tinha acalmado um pouco e o barco já deslizava mais suavemente. Mas mesmo assim viam-se as ondas lá em cima quando o barco entrava no espaço mais fundo. Havia luar e a noite estava espectacular.
Por volta das nove o Orkatz acordou-me pois já estávamos a chegar ao arquipélago de San Blas, na costa do Panamá.

O vento ainda soprava forte mas no meio das ilhas o mar estava mais sereno.
As ilhas são muito pequenas com uma areia muito fina e branca. Os coqueiros são a quase totalidade de vegetação que consegue sobreviver nestas ilhotas.


Ao final da tarde fez-se um churrasco numa das ilhas e ficámos por ali até quando nos apeteceu. O vento ia soprando mas não era frio.

Fomos até uma outro ilha mas são todas iguais.

Ainda pensei que visitaríamos alguma ilha habitada mas não. Só no dia seguinte quando nos aproximámos de terra para descarregar as motos e a nós próprios é que apenas nos aproximamos de algumas ilhas habitadas.
Veio um oficial das “Migraciones” a bordo para carimbar os passaportes e logo a seguir chegaram duas canoas para nos levarem e às motos.
Ainda fiquei a magicar como seria mas o capitão disse que eles já estavam habituados.

Ainda estávamos meio longe de terra e as ondas faziam a água entrar dentro das canoas mas conseguimos entrar na foz de um rio sem afundar.
Rio acima já era mais calmo e sem ondulação
O primeiro ponto onde seria para pôr as motos em terra não parecia bom e ainda teríamos de atravessar o rio a vau mais acima. Negociámos um preço para nos levarem as motos mais acima e foi mesmo no ponto onde era necessário cruzar o rio. Valeram a pena esses cinco dólares extra pois o rio levava uma corrente forte e seria difícil de atravessar, em especial para a Harley e a Virago que se iriam afogar.

Havia uns trinta quilómetros pelo meio da selva numa estrada enlameada e cheia de subidas e descidas que assustavam. Quando chegávamos a um desses pontos subia um de cada vez não fosse haver algum azar. Numa das subidas, para nós descida, estava uma carrinha a tentar subir e não conseguia. As rodas patinavam e não conseguia avançar. Eu só pensei que estava a estragar a estrada para nós.

Conseguimos descer todos sem cair mas várias vezes a roda traseira escorregava apesar de ir em primeira e quase não travar.
Quando chegámos à estrada de asfalto foi um alívio.
Chegámos ao final da tarde à cidade de Panamá.
No dia seguinte pela manhã fomos tratar de dar entrada da moto. Foi preciso dar umas voltas mas finalmente conseguimos.
O Dug e a Cheryl seguiram para norte pois têm de regressar ao Canadá sem demora.
Nós fomos visitar e ver o canal em funcionamento nas “Esclusas Miraflores”. Foi interessante ver um barco enorme passar por um espaço onde apenas havia meio metro de cada lado até às paredes do canal.


O calor por aqui também é demasiado e já me disseram que em toda a América Central é assim. Acho que vou ter de seguir mais para norte.

Panamá cidade, N 08º 57,186’ W 79º 32,291’

11 comentários:

Anónimo disse...

Fantástico Queirós.

Que grande aventura. Só de ver as fotos, sobretudo as das canoas, parti-me a rir. Já andávamos no MCP a dizer "o Queirós nunca mais diz nada. Quando é que passa para o Panamá?".

Continua a tua grande aventura amigo.

Valente - MCP

Unknown disse...

Ola

Muita coragem para fazer essa fantastica viagem sozinho...

Muitos parabens e força

Rui

Anónimo disse...

Amigo

Um grande abraço e força nessa viagem.

mais uma vez parabens

um abraço
Rui baltazar

Paulinha disse...

Tio,

Que maravilha... as fotos falam por si! A tua aventura continua a alimentar-nos o espirito e a alma!! Não percas essa energia selvagem e aventureira que faz feliz a ti e a todos os que te acompanham!!!

Muitos beijinhos e continuação de boa viagem!!!!!!

Eli Sandra Barbosa disse...

Cara, isso não é uma viagem. É uma odisséia. Parabéns pela coragem e o espirito aberto a novas aventuras e experiências.

Anónimo disse...

Porra Queiroz! Isto é que foi uma aventura. Felizmente correu tudo bem, e isto dá à coisa outro tempêro.
Continuação de uma boa-viagem, que nós por cá... vamos mesmo atrás.

Um abraço,

Miguel Ângelo

Anónimo disse...

Só tenho um comentário...............................FANTÁSTICO.

Continua Bem
Abraço
Graciano

Anónimo disse...

Agora estás um verdadeiro Overlander, sim senhor!
Ainda bem que não sofres de enjoo como eu. Nem sei o que me teria acontecido se estivesse no teu lugar...
Desconfio que nem um frasco inteiro de Dramamine me poderia valer.
Não desejando que a tua aventura termine tão cedo tenho que admitir que estou morto por estar contigo para ouvir de viva voz os relatos mais aprofundados das tuas peripécias.
Continua amigo a gozar a tua vida e vai-nos mantendo a par das aventuras.
Um abraço

Mustafá

Anónimo disse...

UAUU!!

Grande Queirós, essa travessia no veleiro está espectacular! E o desembarque de canoa não fica atrás!

Agora a viagem está-se a tornar mesmo em aventura e odisseia como já disseram mais acima!

Já serves de vigia num veleiro em noite de luar!
Força e um grande abraço!

Nestes

fernando_vilarinho disse...

Queirós aventuras não te continuam a faltar e prossegues com um espirito aberto a tudo o que de novo se te depara.
A passagem para a América Central foi mais um teste que passaste com distinção eheh. agora é sempre a abrir por ali acima até terras do Uncle Sam, ou agora Uncle Obama ;)

Boa Viagem até ao Mejico!

Anónimo disse...

Olá António! Sou o Costa Ferreira O pai da Bela! Tenho-te acompanhado na tua viagem! Parabéns e muito sucesso! Um abraço
Costa Ferreira