*** esta minha história sobre o Caminho de Santiago é um pouco extensa e achei melhor dividi-la em duas partes. É como um pequeno diário e no final de cada dia estao algumas fotos. Penso que apesar de ter feito este percurso a pé, achei que seria interessante divulgar uma actividade ao alcance de qualquer pessoa minimamente saudável ***
CAMINHO DE SANTIAGO (Francês) - 1a. parte
Introdução
Há mais de um ano que andava a pensar fazer o “Caminho de Santiago”.
No ano passado ao regressar de França ia vendo sinais e informações ao longo da estrada e comecei a magicar que seria uma ideia interessante a desenvolver. Em Setembro de 2004, as condições proporcionaram-se e lá fui até França, Saint Jean Pied de Port, para começar a caminhada até Santiago de Compostela. Até porque este ano era Jacobeu e queria sentir o que era a peregrinação. Considera-se ano Jacobeu quando o dia 25 de Julho, festa de Santiago, é ao domingo.
Depois de ler alguma informação em revistas, também comprei um livro sobre os Caminhos de Santiago.
O Caminho Francês, dado o seu reconhecimento como Primeiro Itinerário Cultural Europeu pelo Conselho da Europa em 1987 e a sua declaração de Património da Humanidade pela UNESCO em 1994, foi a opção que me pareceu ser mais interessante para realizar a minha caminhada.
As peregrinações a Santiago de Compostela já vêm desde o século IX e foi durante a Idade Média que atingiram o auge em número de peregrinos, tendo sido criadas ordens militares, primeiro a de Santiago e depois a dos Templários, para protecção dos peregrinos contra os assaltantes e bandidos que havia ao longo dos caminhos. Nessa altura começaram a ser construídos hospitais e albergues para apoio aos peregrinos.
Numerosas pontes foram construídas para permitir a travessia de rios que a vau eram muito difíceis de passar. As igrejas e catedrais também foram surgindo nas povoações onde os peregrinos descansavam das longas jornadas que faziam.
Nos séculos XV/XVI os problemas que assolaram a Europa, a crise na Igreja com o surgimento do Protestantismo, a fome, as pestes e as guerras, provocaram o declínio o número de peregrinos pelo que os hospitais e albergues se arruinaram e as povoações que tinham crescido à volta do caminho começaram a decair e muitas delas já não existem.
Somente, já no século XX recomeça o interesse pelo caminho e é no final da década de 60 que, finalmente, sai do esquecimento e se retoma a tradição. A partir de 1999, último ano santo antes de 2004, o número de peregrinos começou a subir e faz lembrar as peregrinações da Idade Média.
A minha peregrinação a Santiago de Compostela era para ser feita como um desafio a mim próprio e para sentir como era “por dentro”. Não levava um propósito religioso e era mais uma questão cultural e um apreciar a caminhada.
Apesar de fazer de vez em quando umas caminhadas achei que era necessário preparar-me bem para não desistir ao fim de meia dúzia de dias. Assim, desde o início de Agosto, duas ou três vezes por semana fazia uma caminhada de três horas com uma mochila a pesar à volta de oito quilos para me habituar ao peso. Na última semana ainda fui com uns amigos até aos Pirenéus andar na montanha. Podia ter ficado lá e seguido para Saint Jean Pied de Port mas achava que ainda não estava em condições para começar. Mais duas semanas para me mentalizar e partir a meio de Setembro, antes que chegassem os dias de chuva.
Comprei algum equipamento que não tinha e era essencial e comecei a pensar na preparação da mochila. Teria de levar o mínimo necessário mas mesmo assim seria muita coisa. Além do que já levava vestido e calçado só deveria levar mais uma muda de roupa. Mas levava umas calças de ganga, duas “t-shirts”, quatro pares de meias – andava sempre com dois pares, uma toalha e uns calções de banho, dois pares de cuecas, uma sandálias, uns chinelos, artigos de higiene pessoal, incluindo papel higiénico para prevenir faltas nos albergues ou eventuais urgências no meio do monte, alguns medicamentos, um canivete, um isqueiro, um frontal (lanterna), o telemóvel e respectivo carregador, uma máquina fotográfica digital e respectivo carregador mas como ainda não estava bem habituado à digital levei mais uma reflex que até era bem pesada e me veio a fazer jeito. Também levava o livro sobre o caminho, era uma espécie de guia, um pequeno bloco para apontamentos sobre a viagem, uma esferográfica, uma corda e uma dúzia de molas para estender a roupa a secar se fosse preciso, como veio a ser. Só faltava o saco-cama, a colchonete (que poderia não ter levado), as calças e o casaco do impermeável, o cobre-mochila e o polar para fazer de casaco. Não podia esquecer o chapéu, pois andar horas ao sol deve queimar os miolos. Não seria preciso era levar a comida que levei, mas mais vale prevenir que remediar. Assim levei frutos secos, três latas de sardinha de conserva, três maçãs e um pacote de bolachas. Uma garrafa de litro e meio de água e outra de meio litro completavam a reserva alimentar.
Pesei a mochila e nem queria acreditar: quinze quilos??? Será que preciso de tudo?! Não posso tirar nada! Bom, terei que aguentar.
Na quinta-feira dia 9 de Setembro, fui ao Porto pedir a credencial de peregrino. Pensei que era na Sé mas lá dizem-me que não. Tinha de ir ao Centro de Estudos Jacobeus, na Rua das Virtudes, mas a direcção que me deram não era a correcta. Por sorte deram-me o número de telefone e lá consegui chegar aonde queria. A senhora que passa as credenciais já tinha saído nesse dia. Poderia tê-la levado na hora. Que raio de azar!
No dia seguinte, como não posso ir ao Porto, peço a credencial por fax e para não haver extravios ou atrasos no correio vou levantá-la pessoalmente na segunda-feira.
Comprei o bilhete de comboio para o dia seguinte antes que me passasse a euforia da viagem que ia fazer. Estava pronto.
Na terça-feira, dia 14 de Setembro, às cinco da tarde apanho o comboio na estação da Trofa, onde regressarei no dia 17 de Outubro, domingo, e lá sigo até França. Durante a noite bem tentei dormir um pouco mas de vez em quando o comboio abanava de tal modo que parecia uma peneira e não dava para encostar a cabeça. Em Hendaye, onde o comboio chegou às 9 da manhã, fui tomar o pequeno-almoço e dar uma volta para conhecer qualquer coisa. O tempo é que me estava a desanimar um pouco, pois caía cada aguaceiro que me fazia pensar que no dia seguinte é que ia ser terrível caminhar à chuva. Depois de chegar a Bayonne comecei a ver algumas pessoas com mochilas a juntarem-se no cais de embarque para Saint Jean Pied de Port e pensei: Será que também vão fazer o caminho ou vão passar férias? Quase todas iam para caminhar.
Só de comboio ou de táxi, pois não há autocarros, se pode chegar a essa pequena aldeia na base dos Pirenéus, onde se juntam três percursos franceses para formar o mítico “Caminho Francês” .
Dia 00 – 15/09/04 – Quarta-feira – SAINT JEAN PIED DE PORT
Saindo da estação começo a procurar o albergue para pernoitar e quando lá chego vejo que é preciso fazer a inscrição numa casa mais abaixo. Depois de ver que as pessoas estavam ainda a pedir a credencial de peregrino apresento a minha e avanço logo.
A credencial de peregrino é um documento que possibilita a dormida nos albergues ao longo do caminho. Os albergues, públicos ou privados, são instalações onde é possível dormir por uma só noite. Têm balneários com duche, sítio para lavar a roupa à mão e secar e quase todos têm máquinas de lavar roupa e secar, mas a pagar, e também cozinha apetrechada onde se pode cozinhar e um refeitório, que muitas vezes faz de sala de convívio. Grande parte deles é gerida por Associações de Amigos do Caminho de Santiago, que também passam as referidas credenciais.
Enquanto procuro uma padaria para comprar pão para o dia seguinte a chuva vai caindo e faz-me pensar que o início vai ser molhado. Mas não há que desanimar e depois de jantar vou dormir já que de manhã bem cedo é preciso começar a caminhada. Começo a conhecer algumas pessoas que vou encontrar durante o caminho até Santiago.
Dia 01 - 16/09/04 – Quinta-feira – RONCESVALLES
Saio ainda de noite, por volta das seis e meia, já muita gente estava a caminho e vejo que o céu está um pouco nublado mas não ameaça chuva. Começo a caminhar e a pensar naquilo em que me meti. Os meus irmãos diziam-me que estava meio maluco para me meter numa coisa destas, mas o caminho é para a frente e não vale a pena pensar muito. Ainda por cima tinha ido sozinho, mas eu dizia que deveria haver mais gente a caminhar e não me enganei. Mais gente do que eu pensava.
Logo no primeiro dia, muitas horas sempre a subir, é preciso atravessar os Pirenéus mas a paisagem compensa o desgaste. Lá em cima está um sol radioso e vê-se muita gente a subir a montanha. Não achei a subida muito difícil, talvez por estar ainda cheio de força, mas que era comprida era.
Os caminhantes vão surgindo – franceses, holandeses, brasileiros, irlandeses, um basco, canadianos, até um sul-africano, o Angus, com cerca de 30 anos, que passa por mim a andar rápido mas logo à frente encontro-o sentado numa pedra a descansar e a massajar os pés. Digo-lhe que deve ir num ritmo mais lento e sempre a andar mas ele diz-me que não sabe andar devagar. Ao fim de umas horas já não vai tão depressa. Algumas partes do caminho estão muito enlameadas por causa da chuva dos dias anteriores, noutras anda-se no asfalto. A descida para Roncesvalles é curta mas acentuada. Aqui é a primeira vez que tenho de lavar a roupa e ao pô-la a secar vejo que fazem jeito as molas que trouxe. À noite ao jantar vou conhecendo mais gente. Tenho uma assadura nas nádegas e ponho um pouco de pomada para ver se alivia. Um amigo disse-me que na tropa usavam antimicótico. A ver se de noite melhora para amanhã.
O albergue, que pode acomodar até cem pessoas, está cheio. Algumas têm de ir dormir na aldeia mais abaixo. Quase todos os espanhóis começam a peregrinação aqui em Roncesvalles, não do lado francês.
Saio ainda de noite, por volta das seis e meia, já muita gente estava a caminho e vejo que o céu está um pouco nublado mas não ameaça chuva. Começo a caminhar e a pensar naquilo em que me meti. Os meus irmãos diziam-me que estava meio maluco para me meter numa coisa destas, mas o caminho é para a frente e não vale a pena pensar muito. Ainda por cima tinha ido sozinho, mas eu dizia que deveria haver mais gente a caminhar e não me enganei. Mais gente do que eu pensava.
Logo no primeiro dia, muitas horas sempre a subir, é preciso atravessar os Pirenéus mas a paisagem compensa o desgaste. Lá em cima está um sol radioso e vê-se muita gente a subir a montanha. Não achei a subida muito difícil, talvez por estar ainda cheio de força, mas que era comprida era.
Os caminhantes vão surgindo – franceses, holandeses, brasileiros, irlandeses, um basco, canadianos, até um sul-africano, o Angus, com cerca de 30 anos, que passa por mim a andar rápido mas logo à frente encontro-o sentado numa pedra a descansar e a massajar os pés. Digo-lhe que deve ir num ritmo mais lento e sempre a andar mas ele diz-me que não sabe andar devagar. Ao fim de umas horas já não vai tão depressa. Algumas partes do caminho estão muito enlameadas por causa da chuva dos dias anteriores, noutras anda-se no asfalto. A descida para Roncesvalles é curta mas acentuada. Aqui é a primeira vez que tenho de lavar a roupa e ao pô-la a secar vejo que fazem jeito as molas que trouxe. À noite ao jantar vou conhecendo mais gente. Tenho uma assadura nas nádegas e ponho um pouco de pomada para ver se alivia. Um amigo disse-me que na tropa usavam antimicótico. A ver se de noite melhora para amanhã.
O albergue, que pode acomodar até cem pessoas, está cheio. Algumas têm de ir dormir na aldeia mais abaixo. Quase todos os espanhóis começam a peregrinação aqui em Roncesvalles, não do lado francês.
Dia 02 – 17/09/04 – Sexta-feira – LARRASOAÑA
De manhã já não sinto a queimadura. Está um pouco frio mas não chove. Vê-se água gelada nalguns sítios. Ao fim de poucos quilómetros já não sinto frio. Passo em alguns carreiros muito bonitos, enquanto vou descendo a encosta dos Pirenéus, ao longo de pequenos rios. Encontro um grupo de quatro moças alemãs que vão a cantar e sigo-as durante algum tempo. Numa aldeia paro para comer qualquer coisa e elas seguem.
Ando muitos quilómetros sozinho. Chego ao albergue ao início da tarde sob um sol bastante quente.
Depois de um banho refrescante e da roupa lavada procuro onde almoçar. Depois dou uma volta pela aldeia, mas como está calor vou até ao único bar-restaurante da aldeia beber uma cerveja. À noite no fim do jantar ainda houve tempo para dois dedos de conversa e mais um copo. Até houve quem comentasse: esta vida de peregrino!
Conheci um alemão, o Werner com cerca de 60 anos, que já vinha a caminhar desde a Alemanha há seis semanas. Ainda faltam mais quatro.
De manhã já não sinto a queimadura. Está um pouco frio mas não chove. Vê-se água gelada nalguns sítios. Ao fim de poucos quilómetros já não sinto frio. Passo em alguns carreiros muito bonitos, enquanto vou descendo a encosta dos Pirenéus, ao longo de pequenos rios. Encontro um grupo de quatro moças alemãs que vão a cantar e sigo-as durante algum tempo. Numa aldeia paro para comer qualquer coisa e elas seguem.
Ando muitos quilómetros sozinho. Chego ao albergue ao início da tarde sob um sol bastante quente.
Depois de um banho refrescante e da roupa lavada procuro onde almoçar. Depois dou uma volta pela aldeia, mas como está calor vou até ao único bar-restaurante da aldeia beber uma cerveja. À noite no fim do jantar ainda houve tempo para dois dedos de conversa e mais um copo. Até houve quem comentasse: esta vida de peregrino!
Conheci um alemão, o Werner com cerca de 60 anos, que já vinha a caminhar desde a Alemanha há seis semanas. Ainda faltam mais quatro.
Dia 03 – 18/09/04 – Sábado – PAMPLONA
O dia está bom e faz algum calor. Como a montanha ainda está próxima atravesso zonas com belas paisagens. Ao passar em Pamplona, como não conheço a cidade, decido ficar em vez de fazer uma etapa mais longa. O albergue é um antigo mosteiro que ainda é gerido por freiras. Enquanto estou à espera que o albergue abra a porta converso um pouco com uma moça americana que vai desistir pois teve um problema num joelho e não consegue andar mais. Não costumava andar a pé e não se tinha preparado. Espero que não me aconteça o mesmo. À tarde vou com um holandês conhecer um pouco a cidade e numa praça vejo uma mostra de carros antigos. Ao visitar a catedral fico um pouco a ouvir um grupo coral que está a ensaiar para um casamento.
No final do jantar, quando regresso ao albergue, ainda tenho tempo para apreciar uma dança tradicional que um bailarino faz para uns noivos, junto a um restaurante, e logo a seguir um rufar de tambores e instrumentos de madeira, tipo xilofone. Momentos inesquecíveis.
O dia está bom e faz algum calor. Como a montanha ainda está próxima atravesso zonas com belas paisagens. Ao passar em Pamplona, como não conheço a cidade, decido ficar em vez de fazer uma etapa mais longa. O albergue é um antigo mosteiro que ainda é gerido por freiras. Enquanto estou à espera que o albergue abra a porta converso um pouco com uma moça americana que vai desistir pois teve um problema num joelho e não consegue andar mais. Não costumava andar a pé e não se tinha preparado. Espero que não me aconteça o mesmo. À tarde vou com um holandês conhecer um pouco a cidade e numa praça vejo uma mostra de carros antigos. Ao visitar a catedral fico um pouco a ouvir um grupo coral que está a ensaiar para um casamento.
No final do jantar, quando regresso ao albergue, ainda tenho tempo para apreciar uma dança tradicional que um bailarino faz para uns noivos, junto a um restaurante, e logo a seguir um rufar de tambores e instrumentos de madeira, tipo xilofone. Momentos inesquecíveis.
Dia 04 – 19/09/04 – Domingo – PUENTE LA REINA – GARES
A noite passada em Pamplona não deu para descansar em condições. Com as janelas abertas por causa do calor ouvia-se o barulho da rua. Toda a noite as pessoas na rua a passar e a conversar, a cantar, a rir, muito barulho. Às seis horas já toda a gente está a sair. Pelo caminho há muitas aldeias com belas igrejas, que estão abertas por ser domingo, e também há algumas pontes antigas. A subida ao Alto del Perdón, um dos pontos emblemáticos do caminho a meio da etapa, decorreu sem grandes problemas. Lá no alto há um conjunto de figuras metálicas simbolizando peregrinos virados para Santiago. Essas figuras assinalam o ponto onde existiram em tempos idos um hospital de peregrinos e uma ermida que desapareceram. Na época medieval esta passagem de montanha era temida pois dizia-se que o diabo andava por aqui a tentar que os peregrinos desistissem, além de que era, e ainda é, uma zona muito seca e que provocava alucinações. Aqui travo conhecimento com um casal de canadianos, a Brenda e o John que terão 60 e poucos anos, e com quem irei caminhar e conversar muitas vezes ao longo da caminhada.
O albergue onde fico é fora da cidade por isso de tarde descanso um pouco. Ao fim destes quatro dias começo a sentir os pés um pouco doridos mas penso que não será nada demais. Faço-lhes uma massagem No bar estou à conversa com o hospitaleiro enquanto vou apreciando uns copos de tinto. Neste albergue estão à volta de 30 peregrinos. Tenho encontrado pelo caminho muita gente. Não pensei que houvesse tantas pessoas a caminhar.
A noite passada em Pamplona não deu para descansar em condições. Com as janelas abertas por causa do calor ouvia-se o barulho da rua. Toda a noite as pessoas na rua a passar e a conversar, a cantar, a rir, muito barulho. Às seis horas já toda a gente está a sair. Pelo caminho há muitas aldeias com belas igrejas, que estão abertas por ser domingo, e também há algumas pontes antigas. A subida ao Alto del Perdón, um dos pontos emblemáticos do caminho a meio da etapa, decorreu sem grandes problemas. Lá no alto há um conjunto de figuras metálicas simbolizando peregrinos virados para Santiago. Essas figuras assinalam o ponto onde existiram em tempos idos um hospital de peregrinos e uma ermida que desapareceram. Na época medieval esta passagem de montanha era temida pois dizia-se que o diabo andava por aqui a tentar que os peregrinos desistissem, além de que era, e ainda é, uma zona muito seca e que provocava alucinações. Aqui travo conhecimento com um casal de canadianos, a Brenda e o John que terão 60 e poucos anos, e com quem irei caminhar e conversar muitas vezes ao longo da caminhada.
O albergue onde fico é fora da cidade por isso de tarde descanso um pouco. Ao fim destes quatro dias começo a sentir os pés um pouco doridos mas penso que não será nada demais. Faço-lhes uma massagem No bar estou à conversa com o hospitaleiro enquanto vou apreciando uns copos de tinto. Neste albergue estão à volta de 30 peregrinos. Tenho encontrado pelo caminho muita gente. Não pensei que houvesse tantas pessoas a caminhar.
Dia 05 – 20/09/04 – Segunda-feira –ESTELLA-LIZARRA
Saio pouco antes das oito horas com o sol já a aparecer. Por causa das obras de construção de uma auto-estrada o caminho faz um desvio para evitar o perigo das máquinas, talvez até para não atrapalhar os operários. Esta alternativa é um carreiro com um piso muito irregular sempre a subir e a descer. É bastante cansativo. A montanha começa a ficar para trás e entra-se no planalto com os vinhedos a surgirem por todo o lado. Ao passar nalgumas aldeias ainda tento visitar as igrejas mas estão fechadas. Em Lorca, já perto do final da jornada, páro num café para comer uma “fabada”, feijoada espanhola. Como está bastante calor fico por ali um pouco a descansar e a beber umas minis (cervejas) para acalmar o secão que sinto. Um brasileiro que já tinha conhecido antes, o André, acompanha-me nesta paragem.
Ao cair da noite, já no albergue, o André vai cozinhar e convida-me para jantar. Somos sete para comer um esparguete com chouriço e molho de tomate. Conheço duas das quatro moças alemãs, a Anna e a Amelie, que são muito simpáticas e também um australiano, o Duncan. Pergunto à Anna onde estavam as duas amigas e ela diz-me que tinham regressado a casa pois uma delas tinha uma tendinite e não podia continuar. Ficamos um pouco na conversa e o André ainda tenta ensinar à Anna uma canção brasileira, a conhecida “Garota de Ipanema”.
Há muita gente a pôr cremes e pomadas nos pés e nas pernas, mas para já ainda não sinto dores musculares. Tento é massajar os pés sempre que posso, seja no albergue ou mesmo quando estou nalgum café ou bar à tarde ou ainda sentado nalgum jardim.
Saio pouco antes das oito horas com o sol já a aparecer. Por causa das obras de construção de uma auto-estrada o caminho faz um desvio para evitar o perigo das máquinas, talvez até para não atrapalhar os operários. Esta alternativa é um carreiro com um piso muito irregular sempre a subir e a descer. É bastante cansativo. A montanha começa a ficar para trás e entra-se no planalto com os vinhedos a surgirem por todo o lado. Ao passar nalgumas aldeias ainda tento visitar as igrejas mas estão fechadas. Em Lorca, já perto do final da jornada, páro num café para comer uma “fabada”, feijoada espanhola. Como está bastante calor fico por ali um pouco a descansar e a beber umas minis (cervejas) para acalmar o secão que sinto. Um brasileiro que já tinha conhecido antes, o André, acompanha-me nesta paragem.
Ao cair da noite, já no albergue, o André vai cozinhar e convida-me para jantar. Somos sete para comer um esparguete com chouriço e molho de tomate. Conheço duas das quatro moças alemãs, a Anna e a Amelie, que são muito simpáticas e também um australiano, o Duncan. Pergunto à Anna onde estavam as duas amigas e ela diz-me que tinham regressado a casa pois uma delas tinha uma tendinite e não podia continuar. Ficamos um pouco na conversa e o André ainda tenta ensinar à Anna uma canção brasileira, a conhecida “Garota de Ipanema”.
Há muita gente a pôr cremes e pomadas nos pés e nas pernas, mas para já ainda não sinto dores musculares. Tento é massajar os pés sempre que posso, seja no albergue ou mesmo quando estou nalgum café ou bar à tarde ou ainda sentado nalgum jardim.
Dia 06 – 21/09/04 – Terça-feira - LOS ARCOS
A poucos quilómetros da saída de Estella-Lizarra há uma fonte de vinho. Não o achei nada de especial, mas seria a hora matinal que não dava para apreciar. É uma adega que oferece este vinho e toda a gente pára para provar.
Em Azqueta há um velho artesão, chamado Pablito Sanz, que tem algumas ofertas para os peregrinos que queiram. A mim e à Magui, uma brasileira que já tinha conhecido em Roncesvalles e com quem vinha conversando neste dia, deu uma “vieira” e uma cabaça, símbolos dos peregrinos. Segundo li os primeiros peregrinos não levavam a vieira, a concha, com eles quando saíam da sua terra natal. Só depois da chegada a Santiago é que procuravam arranjar uma recordação que fosse uma prova de que tinham atingido o seu destino. Depois ao fazer uma segunda peregrinação ou então dando-a a outra pessoa a vieira era utilizada para apanhar água, pedir esmola ou até para cortar comida. Trazendo a vieira pendurada à cinta ou num bastão começou a ficar a imagem ligada aos peregrinos.
De tarde estou na conversa com a Brenda e o John e à noite vou jantar com eles no restaurante do hotel onde vão dormir. É a segunda vez que fazem o caminho e já da outra tinham ficado nesse hotel. Conheço o Bartolomé, um rapaz das Canárias, e também o Joaquim, de Vigo, que disse andar a fazer o caminho pois gosta de andar a pé e este percurso é bom pois tem uma grande rede de albergues para apoio. Falo um pouco com a Sara, uma moça alemã que anda sozinha e começou a caminhada em Le Puy, França. Há um percurso que começa nesta cidade e entra em Espanha por Somport vindo depois a unir-se ao chamado “Caminho Francês” em Puente La Reina.
No albergue, ao meu lado, estão duas moças americanas dos seus vinte e tal anos, a Morgan e a Jessie, que são cunhadas. A Jessie veio fazer o caminho para acompanhar e apoiar a cunhada, filha de um pastor protestante, que tendo estado a estudar na Espanha quer fazer o caminho antes de regressar. Acontece que a Morgan tem feito poucos quilómetros a pé, pois tem problemas nos joelhos e não aguenta andar. Ao fim de poucos quilómetros ou mesmo até no começo apanha o autocarro até final e a cunhada faz o percurso a pé.
A poucos quilómetros da saída de Estella-Lizarra há uma fonte de vinho. Não o achei nada de especial, mas seria a hora matinal que não dava para apreciar. É uma adega que oferece este vinho e toda a gente pára para provar.
Em Azqueta há um velho artesão, chamado Pablito Sanz, que tem algumas ofertas para os peregrinos que queiram. A mim e à Magui, uma brasileira que já tinha conhecido em Roncesvalles e com quem vinha conversando neste dia, deu uma “vieira” e uma cabaça, símbolos dos peregrinos. Segundo li os primeiros peregrinos não levavam a vieira, a concha, com eles quando saíam da sua terra natal. Só depois da chegada a Santiago é que procuravam arranjar uma recordação que fosse uma prova de que tinham atingido o seu destino. Depois ao fazer uma segunda peregrinação ou então dando-a a outra pessoa a vieira era utilizada para apanhar água, pedir esmola ou até para cortar comida. Trazendo a vieira pendurada à cinta ou num bastão começou a ficar a imagem ligada aos peregrinos.
De tarde estou na conversa com a Brenda e o John e à noite vou jantar com eles no restaurante do hotel onde vão dormir. É a segunda vez que fazem o caminho e já da outra tinham ficado nesse hotel. Conheço o Bartolomé, um rapaz das Canárias, e também o Joaquim, de Vigo, que disse andar a fazer o caminho pois gosta de andar a pé e este percurso é bom pois tem uma grande rede de albergues para apoio. Falo um pouco com a Sara, uma moça alemã que anda sozinha e começou a caminhada em Le Puy, França. Há um percurso que começa nesta cidade e entra em Espanha por Somport vindo depois a unir-se ao chamado “Caminho Francês” em Puente La Reina.
No albergue, ao meu lado, estão duas moças americanas dos seus vinte e tal anos, a Morgan e a Jessie, que são cunhadas. A Jessie veio fazer o caminho para acompanhar e apoiar a cunhada, filha de um pastor protestante, que tendo estado a estudar na Espanha quer fazer o caminho antes de regressar. Acontece que a Morgan tem feito poucos quilómetros a pé, pois tem problemas nos joelhos e não aguenta andar. Ao fim de poucos quilómetros ou mesmo até no começo apanha o autocarro até final e a cunhada faz o percurso a pé.
Dia 07 – 22/09/04 – Quarta-feira – LOGROÑO
A ligação até Logroño é monótona. São muitos quilómetros ao lado da estrada. Torna-se cansativo com o barulho dos carros e camiões sempre a passar. Em Viana visito uma igreja muito bonita e bem conservada. Quando saio da cidade, durante alguns quilómetros, é preciso ir sempre a enxotar moscas e mosquitos que até aqui ainda não tinham incomodado.
Ao chegar a Logroño vejo que a cidade está em festa. No albergue encontro dois rapazes de Torres Novas que me dizem que vão até Roma de bicicleta. Durante a tarde dou uma pequena volta para conhecer a cidade e à noite depois de jantar percorro mais um pouco a zona central da cidade. Anda tanta gente na rua que mal se pode dar um passo. Há grupos musicais e os mais variados artistas de rua. Depois de ouvir um pouco de música de órgão, um concerto na catedral de Santa Maria La Redonda, vou dormir já que o albergue fecha às dez horas.
A ligação até Logroño é monótona. São muitos quilómetros ao lado da estrada. Torna-se cansativo com o barulho dos carros e camiões sempre a passar. Em Viana visito uma igreja muito bonita e bem conservada. Quando saio da cidade, durante alguns quilómetros, é preciso ir sempre a enxotar moscas e mosquitos que até aqui ainda não tinham incomodado.
Ao chegar a Logroño vejo que a cidade está em festa. No albergue encontro dois rapazes de Torres Novas que me dizem que vão até Roma de bicicleta. Durante a tarde dou uma pequena volta para conhecer a cidade e à noite depois de jantar percorro mais um pouco a zona central da cidade. Anda tanta gente na rua que mal se pode dar um passo. Há grupos musicais e os mais variados artistas de rua. Depois de ouvir um pouco de música de órgão, um concerto na catedral de Santa Maria La Redonda, vou dormir já que o albergue fecha às dez horas.
Dia 08 – 23/09/04 – Quinta-feira – NÁJERA
A noite passada não dormi grande coisa. Devido ao calor era difícil adormecer e como havia pessoas que não queriam as janelas abertas por causa do barulho das festas foi terrível. Nos albergues fica sempre muita gente a dormir e alguns ressonam bem, mas normalmente consigo adormecer rápido. Mas esta noite um sujeito começou a ressonar mesmo ao meu lado e não conseguia adormecer, pelo que às tantas peguei no saco-cama e na colchonete e fui dormir para a cozinha. Estava um pouco mais fresco mas ouvia-se mais o barulho exterior e quando uma banda de música acabou de tocar ainda houve uma sessão de fogo de artifício. Mas como logo pelas cinco da manhã já há pessoas que começam a pôr-se a pé e a ir à cozinha para comer qualquer coisa, esta noite não deu mesmo para descansar em condições.
De manhã a mochila parece mais pesada que o costume. Começo a pensar que é da noite mal dormida, mas lembro-me que tem mais três maçãs, um pacote de sumo e um de bolachas. Será disso? Saindo de Logroño há uma lagoa muito bonita, que é preciso contornar. Páro mais à frente para comer o que levo a fim de aliviar o peso. Entramos em La Rioja, a região dos vinhos mais famosos de Espanha. É um sobe e desce pelo meio das vinhas. É bonito de se ver todas aquelas fiadas verdes até onde a vista alcança. Como estamos no final de Setembro e as vindimas ainda não foram feitas aproveito para provar as uvas. Não devia, mas é uma tentação. As uvas brancas são boas e as pretas também. Em Navarete a igreja é muito bonita. Ao chegar a Nájera já começo a sentir o cansaço. É que foram 30 quilómetros e já são oito dias a andar e com a noite mal dormida ainda pior. Não falando do calor que tem estado.
Ao tomar café no fim do almoço vejo que a chávena é muito bonita e peço para me darem ou venderem uma, já que tenho um amigo que colecciona. Dão-ma. Vou ao albergue embrulhar e guardar mais um peso. Parece que não mas tudo se torna pesado.
Numa escarpa por trás de um mosteiro, que já foi um albergue, vêem-se umas janelas que me dizem ser de casas escavadas na encosta e onde não há muitos anos ainda viviam pessoas. Dou uma volta pela cidade e compro um par de meias mais fino do que os que tenho para ver se refresco um pouco os pés, pois com o calor que tem estado os pés andam sempre muito quentes. Também vejo se há alguma loja de fotografia onde possa descarregar as fotos para libertar a memória dos cartões mas não encontro. Ao fim da tarde estendo-me um pouco na relva junto ao rio Najerilla, que passa junto ao albergue, e fico a descansar e a massajar os pés. É um jardim refrescante.
Nesta semana que levo a caminhar, e ouvindo outras pessoas, começo a ver que para fazer etapas na ordem dos 25 quilómetros basta sair por volta da sete e meia da manhã, quando a maior parte dos peregrinos já abalou. Dá tempo para ir parando pelo caminho para comer qualquer coisa e chegar ao próximo albergue por volta das duas e meia ou três da tarde. Assim tenho tempo de tomar um duche, lavar a roupa, calçar as sandálias e ir almoçar, pois a partir das três e meia os bares ou restaurantes já não servem almoços. A seguir dar uma volta pelas redondezas e descobrir a saída para a manhã seguinte enquanto os músculos vão relaxando. De manhã, à saída, ainda é de noite.
A noite passada não dormi grande coisa. Devido ao calor era difícil adormecer e como havia pessoas que não queriam as janelas abertas por causa do barulho das festas foi terrível. Nos albergues fica sempre muita gente a dormir e alguns ressonam bem, mas normalmente consigo adormecer rápido. Mas esta noite um sujeito começou a ressonar mesmo ao meu lado e não conseguia adormecer, pelo que às tantas peguei no saco-cama e na colchonete e fui dormir para a cozinha. Estava um pouco mais fresco mas ouvia-se mais o barulho exterior e quando uma banda de música acabou de tocar ainda houve uma sessão de fogo de artifício. Mas como logo pelas cinco da manhã já há pessoas que começam a pôr-se a pé e a ir à cozinha para comer qualquer coisa, esta noite não deu mesmo para descansar em condições.
De manhã a mochila parece mais pesada que o costume. Começo a pensar que é da noite mal dormida, mas lembro-me que tem mais três maçãs, um pacote de sumo e um de bolachas. Será disso? Saindo de Logroño há uma lagoa muito bonita, que é preciso contornar. Páro mais à frente para comer o que levo a fim de aliviar o peso. Entramos em La Rioja, a região dos vinhos mais famosos de Espanha. É um sobe e desce pelo meio das vinhas. É bonito de se ver todas aquelas fiadas verdes até onde a vista alcança. Como estamos no final de Setembro e as vindimas ainda não foram feitas aproveito para provar as uvas. Não devia, mas é uma tentação. As uvas brancas são boas e as pretas também. Em Navarete a igreja é muito bonita. Ao chegar a Nájera já começo a sentir o cansaço. É que foram 30 quilómetros e já são oito dias a andar e com a noite mal dormida ainda pior. Não falando do calor que tem estado.
Ao tomar café no fim do almoço vejo que a chávena é muito bonita e peço para me darem ou venderem uma, já que tenho um amigo que colecciona. Dão-ma. Vou ao albergue embrulhar e guardar mais um peso. Parece que não mas tudo se torna pesado.
Numa escarpa por trás de um mosteiro, que já foi um albergue, vêem-se umas janelas que me dizem ser de casas escavadas na encosta e onde não há muitos anos ainda viviam pessoas. Dou uma volta pela cidade e compro um par de meias mais fino do que os que tenho para ver se refresco um pouco os pés, pois com o calor que tem estado os pés andam sempre muito quentes. Também vejo se há alguma loja de fotografia onde possa descarregar as fotos para libertar a memória dos cartões mas não encontro. Ao fim da tarde estendo-me um pouco na relva junto ao rio Najerilla, que passa junto ao albergue, e fico a descansar e a massajar os pés. É um jardim refrescante.
Nesta semana que levo a caminhar, e ouvindo outras pessoas, começo a ver que para fazer etapas na ordem dos 25 quilómetros basta sair por volta da sete e meia da manhã, quando a maior parte dos peregrinos já abalou. Dá tempo para ir parando pelo caminho para comer qualquer coisa e chegar ao próximo albergue por volta das duas e meia ou três da tarde. Assim tenho tempo de tomar um duche, lavar a roupa, calçar as sandálias e ir almoçar, pois a partir das três e meia os bares ou restaurantes já não servem almoços. A seguir dar uma volta pelas redondezas e descobrir a saída para a manhã seguinte enquanto os músculos vão relaxando. De manhã, à saída, ainda é de noite.
Dia 09 – 24/09/04 – Sexta-feira – SANTO DOMINGO DE LA CALZADA
Depois de uma noite bem dormida quando saio parece que o tempo vai mudar, mas aguenta sem chover. Pela manhã ainda se passa por vinhedos, mas depois começam os enormes campos de cereais, quase todos já ceifados. Vêem-se grandes máquinas a recolher e empilhar a palha. Em Azofra, numa paragem num café para tomar outro pequeno-almoço, converso um bocado com uma neozelandesa que já tinha encontrado há dias e ela diz-me que o marido carrega um ventilador com três quilos. Tem problemas respiratórios e precisa da máquina para o ajudar a respirar melhor de noite.
É um casal que anda na Europa a passar férias há perto de quatro meses. “O meu marido pensa que é um jovem de trinta anos e quer fazer o caminho, antes de regressarmos! Que posso fazer?” - suspira a senhora. Devem andar nos 60 anos. Por acaso é este o último dia em que os vejo, até porque já tinha notado que ele estava a ter alguma dificuldade a andar. A minha mochila é pesada, mas a dele ainda parece maior. Começa a doer-me a barriga da perna direita, mas entretanto passa. Tenho nos dois braços junto ao cotovelo um inchaço que não sei de que será. Não senti picadas de mosquitos.
Ao chegar a Santo Domingo de La Calzada começa a sentir-se muita humidade no ar e só não chove porque não calha. Fico num albergue que foi um antigo mosteiro. Na catedral, na parede por cima de um altar lateral, há um galinheiro com um galo e uma galinha brancos. Estão vivos e vão sendo substituídos por novos, sempre brancos, como cumprimento de uma promessa de Santo Domingo, do tempo em que viveu nesta cidade.
Encontro um fotógrafo que me descarrega as fotos para um CD. Mais peso! Digo ao John que também lá vai. À noite, por precaução, tomo uma aspirina para eliminar a possível inflamação na perna.
Depois de uma noite bem dormida quando saio parece que o tempo vai mudar, mas aguenta sem chover. Pela manhã ainda se passa por vinhedos, mas depois começam os enormes campos de cereais, quase todos já ceifados. Vêem-se grandes máquinas a recolher e empilhar a palha. Em Azofra, numa paragem num café para tomar outro pequeno-almoço, converso um bocado com uma neozelandesa que já tinha encontrado há dias e ela diz-me que o marido carrega um ventilador com três quilos. Tem problemas respiratórios e precisa da máquina para o ajudar a respirar melhor de noite.
É um casal que anda na Europa a passar férias há perto de quatro meses. “O meu marido pensa que é um jovem de trinta anos e quer fazer o caminho, antes de regressarmos! Que posso fazer?” - suspira a senhora. Devem andar nos 60 anos. Por acaso é este o último dia em que os vejo, até porque já tinha notado que ele estava a ter alguma dificuldade a andar. A minha mochila é pesada, mas a dele ainda parece maior. Começa a doer-me a barriga da perna direita, mas entretanto passa. Tenho nos dois braços junto ao cotovelo um inchaço que não sei de que será. Não senti picadas de mosquitos.
Ao chegar a Santo Domingo de La Calzada começa a sentir-se muita humidade no ar e só não chove porque não calha. Fico num albergue que foi um antigo mosteiro. Na catedral, na parede por cima de um altar lateral, há um galinheiro com um galo e uma galinha brancos. Estão vivos e vão sendo substituídos por novos, sempre brancos, como cumprimento de uma promessa de Santo Domingo, do tempo em que viveu nesta cidade.
Encontro um fotógrafo que me descarrega as fotos para um CD. Mais peso! Digo ao John que também lá vai. À noite, por precaução, tomo uma aspirina para eliminar a possível inflamação na perna.
Dia 10 – 25/09/04 – Sábado – BELORADO
Hoje o caminho decorre numa paisagem de grandes campos já só com o restolho seco.
É a entrada na meseta ibérica. São muitos quilómetros num caminho ao longo da estrada para Burgos. Ando um pouco depressa na parte final e fico cansado. Começa a doer-me debaixo do dedo mais pequeno do pé esquerdo mas passa.
Durante a tarde levanta-se um vento fresco, mas mesmo assim ainda vou descobrir o que há nesta cidade. Não há grande coisa. Por detrás de uma igreja vejo uma casa construída dentro de uma escarpa. Deve ser habitada pois os vidros das janelas estão todos inteiros e o jardim está bem cuidado.
Hoje o caminho decorre numa paisagem de grandes campos já só com o restolho seco.
É a entrada na meseta ibérica. São muitos quilómetros num caminho ao longo da estrada para Burgos. Ando um pouco depressa na parte final e fico cansado. Começa a doer-me debaixo do dedo mais pequeno do pé esquerdo mas passa.
Durante a tarde levanta-se um vento fresco, mas mesmo assim ainda vou descobrir o que há nesta cidade. Não há grande coisa. Por detrás de uma igreja vejo uma casa construída dentro de uma escarpa. Deve ser habitada pois os vidros das janelas estão todos inteiros e o jardim está bem cuidado.
Dia 11 – 26/0/04 – Domingo - ATAPUERCA
Hoje acordei cedo e arranquei. Pensava ficar em S. Juan de Ortega, mas quando chego só é uma da tarde e como o albergue ainda está fechado prossigo até Atapuerca. Vou andar mais 6 quilómetros reduzindo a etapa do dia seguinte até Burgos, que quero conhecer. À saída de S. Juan de Ortega há um caminho construído de novo mas os dois últimos quilómetros são em asfalto. O albergue é numa casa antiga e pequena, com 20 lugares. A aldeia não é nada de especial. Aqui foram descobertos indícios do ser humano mais antigo da Europa. Depois de almoçar vou visitar o parque arqueológico, que é fora da aldeia, com a Mónica, uma suiça que já conheço há dias, e com o Werner. Levantou-se um vento frio no final da tarde – manhã cedo também tem estado fresco, mas a meio do dia faz muito calor. Desapareceu-me o inchaço dos braços.
Hoje acordei cedo e arranquei. Pensava ficar em S. Juan de Ortega, mas quando chego só é uma da tarde e como o albergue ainda está fechado prossigo até Atapuerca. Vou andar mais 6 quilómetros reduzindo a etapa do dia seguinte até Burgos, que quero conhecer. À saída de S. Juan de Ortega há um caminho construído de novo mas os dois últimos quilómetros são em asfalto. O albergue é numa casa antiga e pequena, com 20 lugares. A aldeia não é nada de especial. Aqui foram descobertos indícios do ser humano mais antigo da Europa. Depois de almoçar vou visitar o parque arqueológico, que é fora da aldeia, com a Mónica, uma suiça que já conheço há dias, e com o Werner. Levantou-se um vento frio no final da tarde – manhã cedo também tem estado fresco, mas a meio do dia faz muito calor. Desapareceu-me o inchaço dos braços.
Dia 12 – 27/09/04 – Segunda-feira - BURGOS
De manhã acordo na expectativa da chegada a Burgos. Não são muitos quilómetros, mas é cansativo por causa da estrada ao lado do caminho e dos muitos quilómetros de asfalto. Como é preciso atravessar a cidade até chegar ao albergue, que fica à saída, paro para almoçar e dar uma pequena volta pela cidade. A catedral é espectacular, mas não chego a entrar. Ando um pouco para apreciar a cidade mas começo a sentir uma dor no calcanhar direito que incomoda. Mesmo assim atravesso um rio que cruza a cidade e ando mais um pouco, mas começo a irritar-me com a dor e vou para o albergue. Quando chego é que vejo que tenho uma pequena bolha a aparecer. Estou tramado! Há tanto tempo que faço caminhadas e não me lembro de ter uma bolha.
Depois de me instalar calço as sandálias e vou procurar uma farmácia para arranjar cura para o meu mal. Compro uns pensos que parecem de silicone e ponho um. Vamos a ver se passa.
Hoje é o último dia para a Anna e para a Amelie, que vão apanhar o autocarro até Santiago e depois regressam à Alemanha. Também o Pepe regressa a Barcelona. Já tinha ido desde Burgos até Santiago e este ano veio fazer a parte que lhe faltava. É um senhor simpático, dos seus 60 anos, com quem conversei várias vezes e que me disse que o ideal seria fazer etapas de 20 a 25 quilómetros diários. No albergue estão umas cem pessoas e ainda houve algumas que ficaram hospedadas no centro da cidade.
De manhã acordo na expectativa da chegada a Burgos. Não são muitos quilómetros, mas é cansativo por causa da estrada ao lado do caminho e dos muitos quilómetros de asfalto. Como é preciso atravessar a cidade até chegar ao albergue, que fica à saída, paro para almoçar e dar uma pequena volta pela cidade. A catedral é espectacular, mas não chego a entrar. Ando um pouco para apreciar a cidade mas começo a sentir uma dor no calcanhar direito que incomoda. Mesmo assim atravesso um rio que cruza a cidade e ando mais um pouco, mas começo a irritar-me com a dor e vou para o albergue. Quando chego é que vejo que tenho uma pequena bolha a aparecer. Estou tramado! Há tanto tempo que faço caminhadas e não me lembro de ter uma bolha.
Depois de me instalar calço as sandálias e vou procurar uma farmácia para arranjar cura para o meu mal. Compro uns pensos que parecem de silicone e ponho um. Vamos a ver se passa.
Hoje é o último dia para a Anna e para a Amelie, que vão apanhar o autocarro até Santiago e depois regressam à Alemanha. Também o Pepe regressa a Barcelona. Já tinha ido desde Burgos até Santiago e este ano veio fazer a parte que lhe faltava. É um senhor simpático, dos seus 60 anos, com quem conversei várias vezes e que me disse que o ideal seria fazer etapas de 20 a 25 quilómetros diários. No albergue estão umas cem pessoas e ainda houve algumas que ficaram hospedadas no centro da cidade.
Dia 13 – 28/09/04 – Terça-feira – HONTANAS
Saio de Burgos com uma névoa fresca mas a manhã começa a aquecer. Atravessar a meseta ibérica é cansativo. Hoje começo a andar com o Bartolomé, o canário, que também está sozinho. Sempre dá para ir conversando um pouco. Os últimos quilómetros, desde Hornillos del Camino, são arrasadores. Faz muito calor e só se vê um planalto de terra seca. Ao chegar perto de Hontanas vemos uma placa a informar que faltam 500 metros, mas não se vê nada no horizonte a não ser secura. Só vemos a pequena aldeia mesmo em cima dela, pois estava encaixada num vale escavado por um rio que nesta altura está seco. A bolha no pé não desapareceu, mas também não aumentou. Ao final da tarde, depois de ter estado num café a matar a sede, perco a carteira. Ainda não tinha andado nem vinte metros quando uma pessoa me chama e me dá a carteira. É minha??? “Gracias caballero”. O que seria de mim sem documentos nem dinheiro? Logo que pude meti 50 euros no bolso interior da mochila. Se perdesse a carteira ao menos teria dinheiro para ir para casa.
Saio de Burgos com uma névoa fresca mas a manhã começa a aquecer. Atravessar a meseta ibérica é cansativo. Hoje começo a andar com o Bartolomé, o canário, que também está sozinho. Sempre dá para ir conversando um pouco. Os últimos quilómetros, desde Hornillos del Camino, são arrasadores. Faz muito calor e só se vê um planalto de terra seca. Ao chegar perto de Hontanas vemos uma placa a informar que faltam 500 metros, mas não se vê nada no horizonte a não ser secura. Só vemos a pequena aldeia mesmo em cima dela, pois estava encaixada num vale escavado por um rio que nesta altura está seco. A bolha no pé não desapareceu, mas também não aumentou. Ao final da tarde, depois de ter estado num café a matar a sede, perco a carteira. Ainda não tinha andado nem vinte metros quando uma pessoa me chama e me dá a carteira. É minha??? “Gracias caballero”. O que seria de mim sem documentos nem dinheiro? Logo que pude meti 50 euros no bolso interior da mochila. Se perdesse a carteira ao menos teria dinheiro para ir para casa.
Dia 14 – 29/09/04 – Quarta-feira – BOADILLA DEL CAMINO
Mais um dia na meseta. O caminho tem sido uma seca, com uma ou outra pequena subida. A água sabe mal. Apesar de sair sempre com dois litros de água, muitas vezes tenho de ir atestando de água nos fontanários que se encontram no caminho, pois bebo muita água. Se me falta e com o calor que vai fazendo não sei se aguentaria.
Hoje a roupa foi lavada à máquina. Se calhar já precisava. Juntei a minha com a do Bartolomé e de outro caminhante, assim fica mais barato. O albergue é acolhedor. Até tem uma pequena piscina.
Mais um dia na meseta. O caminho tem sido uma seca, com uma ou outra pequena subida. A água sabe mal. Apesar de sair sempre com dois litros de água, muitas vezes tenho de ir atestando de água nos fontanários que se encontram no caminho, pois bebo muita água. Se me falta e com o calor que vai fazendo não sei se aguentaria.
Hoje a roupa foi lavada à máquina. Se calhar já precisava. Juntei a minha com a do Bartolomé e de outro caminhante, assim fica mais barato. O albergue é acolhedor. Até tem uma pequena piscina.
Dia 15 – 30/09/04 – Quinta-feira – CARRION DE LOS CONDES
O caminho é muito monótono. Quase sempre ao lado da estrada para León, com os carros e camiões a passar. Vejo-me a pensar que aquilo que eu caminho num dia fazem eles em meia hora ou menos. Começo a sentir uma dor que dá ideia de ser uma segunda bolha a aparecer. Páro ao fim de algum tempo e ponho um penso para ver se não aumenta. Há que aguentar. Passo nalguns sítios com muitos mosquitos que não me largam. No albergue a hospitaleira trata dos pés do Bartolomé que estão cheios de bolhas. Também me põe uma protecção. Os hospitaleiros avisam-nos que no dia seguinte há 17 quilómetros sem água, por isso é preciso ir prevenido.
O caminho é muito monótono. Quase sempre ao lado da estrada para León, com os carros e camiões a passar. Vejo-me a pensar que aquilo que eu caminho num dia fazem eles em meia hora ou menos. Começo a sentir uma dor que dá ideia de ser uma segunda bolha a aparecer. Páro ao fim de algum tempo e ponho um penso para ver se não aumenta. Há que aguentar. Passo nalguns sítios com muitos mosquitos que não me largam. No albergue a hospitaleira trata dos pés do Bartolomé que estão cheios de bolhas. Também me põe uma protecção. Os hospitaleiros avisam-nos que no dia seguinte há 17 quilómetros sem água, por isso é preciso ir prevenido.
Dia 16 – 01/10/04 – Sexta-feira – SAHAGÚN
Ontem à noite quando já estava naquela fase do primeiro sono sinto que alguém me põe a mão no braço e acordo sobressaltado. Que é que se passa?! Era a hospitaleira que andava a dar um beijo de boa-noite a todos os peregrinos e que me acordou para isso. Bem!!!
Saio ainda cedo pela manhã para tentar fugir um pouco ao calor, mas o sol também parece que se levantou mais cedo. Realmente são muitos quilómetros sob um calor abrasador sem ver ninguém a não ser poucos peregrinos.
Quando chego a Terradilla de los Templarios, onde tinha previsto parar, vejo que é uma pequena aldeia que tem o albergue e pouco mais. Como não é muito tarde falo com o Bartolomé para saber se ficamos ou seguimos. Ele também não está muito inclinado a ficar ali. Descansamos um pouco enquanto se come e reabastece água e continuamos.
Ainda são quase catorze quilómetros até Sahagún e é o início da tarde.
Procuramos manter um passo vivo mas ao fim de algum tempo temos de abrandar pois está muito calor e não conseguimos manter aquele ritmo. A segunda bolha começa a doer-me. Nos últimos quilómetros vamos a par da estrada e quando vemos a cidade ao longe até parece que o cansaço desaparece. Mas a cidade parece que se afasta de nós. Nunca mais chegamos!!!
Nesse dia fazemos 41 quilómetros e chegamos quase às cinco da tarde. No albergue a pele da segunda bolha sai colada à meia. Depois de um banho retemperador chego um pouco de tintura de iodo para ajudar a secar aquela pele nova que está muito sensível.
Enquanto o Bartolomé fica a dormir, eu vou dar uma volta pela cidade para relaxar.
Compro fruta para comer pois não me apetece mais nada. Ao jantar o Bartolomé mal toca na comida. Foi um dia esgotante. Combinamos que no dia seguinte iriamos andar menos quilómetros e tentar dormir o máximo possível para recuperar.
Ontem à noite quando já estava naquela fase do primeiro sono sinto que alguém me põe a mão no braço e acordo sobressaltado. Que é que se passa?! Era a hospitaleira que andava a dar um beijo de boa-noite a todos os peregrinos e que me acordou para isso. Bem!!!
Saio ainda cedo pela manhã para tentar fugir um pouco ao calor, mas o sol também parece que se levantou mais cedo. Realmente são muitos quilómetros sob um calor abrasador sem ver ninguém a não ser poucos peregrinos.
Quando chego a Terradilla de los Templarios, onde tinha previsto parar, vejo que é uma pequena aldeia que tem o albergue e pouco mais. Como não é muito tarde falo com o Bartolomé para saber se ficamos ou seguimos. Ele também não está muito inclinado a ficar ali. Descansamos um pouco enquanto se come e reabastece água e continuamos.
Ainda são quase catorze quilómetros até Sahagún e é o início da tarde.
Procuramos manter um passo vivo mas ao fim de algum tempo temos de abrandar pois está muito calor e não conseguimos manter aquele ritmo. A segunda bolha começa a doer-me. Nos últimos quilómetros vamos a par da estrada e quando vemos a cidade ao longe até parece que o cansaço desaparece. Mas a cidade parece que se afasta de nós. Nunca mais chegamos!!!
Nesse dia fazemos 41 quilómetros e chegamos quase às cinco da tarde. No albergue a pele da segunda bolha sai colada à meia. Depois de um banho retemperador chego um pouco de tintura de iodo para ajudar a secar aquela pele nova que está muito sensível.
Enquanto o Bartolomé fica a dormir, eu vou dar uma volta pela cidade para relaxar.
Compro fruta para comer pois não me apetece mais nada. Ao jantar o Bartolomé mal toca na comida. Foi um dia esgotante. Combinamos que no dia seguinte iriamos andar menos quilómetros e tentar dormir o máximo possível para recuperar.
Espectáculo, adorei os comentários que foi fazendo. Deve ter sido bastante enriquecedora esta sua caminhada. Parabéns, fez-me ficar com vontade de fazê-la, ainda para mais porque dei ao meu filho o nome de Martim Santiago.
ResponderEliminarObrigada por ter partilhado. Felicidades
Obrigada por ter partilhado a maravilhosa viagem.
ResponderEliminarVocê É especial.