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segunda-feira, julho 13, 2009

De Ushuaia, na Argentina, a Inuvik, no Canadá

Há cerca de ano e meio saí de Ushuaia com o rumo virado a norte. Fui ao extremo da Ruta 3, o ponto mais a sul onde se pode ir por estrada.
A minha ideia era seguir até ao Alasca, que está já muito próximo. Quando me cruzei com o Nuno Pedrosa, ciclista português que saíra de Inuvik, no Canadá, dois anos antes ele falou-me dessa cidade. Desde então também pensei ir até lá, o ponto mais a norte do Canadá onde se pode ir por estrada no verão. Há uma povoação mais a norte, Tuktoyaktuk, aonde se pode ir por estrada no inverno mas a estrada é feita no gelo.
Já realizei esta primeira meta de ir até ao final da Dempster Highway, como chamam a esta ligação a Inuvik. Também foi uma espécie de homenagem ao Nuno Pedrosa e um completar do círculo Inuvik a Ushuaia.
Agora quero dar uma volta pelo Alasca e apontar para a costa leste dos estados Unidos para um regresso a casa. São quase dois anos a viajar sozinho e nestes últimos dias já começo a sentir que quero regressar.
Na semana passada estava a tentar actualizar o blogue quando a internet foi abaixo. Na terça-feira de manhã já pude fazer isso mas obrigou-me a sair quase ao final da manhã.
No início da Dempster Highway tive de tirar a foto da praxe e arrancar. Antes atestei a moto e ainda um bidão de cinco litros pois a primeira etapa era de quase 400 quilómetros e a autonomia da moto é mais curta.
O tempo estava bom e o piso também estava em boas condições, tinha gravilha mas dava para rolar bem.

Ao fim de uns 200 quilómetros o céu já estava a ficar encoberto e havia muita neblina. Não dava para apreciar muito a paisagem, além de que era preciso ir com atenção ao piso.

Por volta do km 300 começou uma zona de pista de terra sem gravilha e a chuva começou a cair mas muito leve. Pensei que iria ser complicado chegar ao destino mas o piso aguentava sem molhar demasiado.
Mesmo perto de Eagle Plains, a uns 10 quilómetros, começou a chover mais forte. Ia cheio de medo, não cheio mesmo, de poder escorregar e cair.
Eagle Plains fica a meio caminho para Inuvik. Tem um hotel e um parque de campismo e uma estação de serviço, pouco mais.
Ao passar em frente do hotel resolvi ficar aí. Sabia que ia ser caro mas estava a chover e frio.
No dia seguinte o tempo já estava bom, havia nuvens mas não de chuva.
Abasteci e arranquei em direcção ao círculo polar árctico. O piso estava seco até esse ponto.
Claro que aqui tem de se tirar uma foto para registar o momento.

Mais à frente, à volta do km 400, havia uma colina com bastante nevoeiro, mal se via a mais de vinte metros. Aí é a fronteira entre o Yukon e os Territórios do Noroeste. Nesta zona o piso estava muito molhado e enlameado. Durante uns trinta quilómetros fui a tremer e a temer uma queda. Consegui passar pois os pneus deram uma grande ajuda, esperando que no regresso já estivesse mais seco.
Logo a seguir havia uma zona de obras que também foi meio complicada de passar mas não houve queda.
Foi preciso passar dois rios de barco. Os barcos estão de serviço de Maio a Outubro pois nos meses mais frios os rios gelam e não é preciso pontes.

A partir de Fort McPherson a estrada já estava seca e o piso bom e foi sempre a rolar bem até Inuvik. De longe a longe lá havia um pouco mais de gravilha ou humidade mas nada de grave.
Cheguei a Inuvik pouco depois das oito na tarde.
No parque de campismo senti os mosquitos em força pela primeira vez. Tinham-me dito e avisado que por aqui havia milhões de mosquitos mas não fui atacado em demasia nas paragens que fiz pelo caminho. Havia alguns mosquitos mas não eram assim tantos como pensei que seriam.
Ao chegar a meia noite tirei umas fotos mas vi que o sol ainda estava a baixar. Esperei até perto da uma da manhã e depois fui dormir. Fez-me uma certa confusão andar por ali sempre com luz do dia. Ao ir dormir parece que ainda é meia tarde.
A cidade de Inuvik é pequena e deambulei por ali durante dois dias. Um sujeito que conheci, o Howard de Vancouver, disse que tinha ida a Tuktoyaktuk e tinha gostado mas que custara 500 dólares. Achei um preço muito elevado para um dia.

Resolvi voltar a Dawson City pois as previsões do tempo anunciavam chuva para os próximos dias. Vi alguns carros que tinham vindo nesse dia e comecei a ficar assustado, mas não muito.

Conheci uns motociclistas que disseram que também iam arrancar no sábado de manhã, mas muito cedo. Eu penso sair cedo mas quase nunca saio.
Arranquei pouco depois das oito da manhã, hora corrigida pois em Inuvik há mais uma hora.
Os primeiros 50 quilómetros foram de piso seco mas a partir daí estava a chover e a estrada estava molhada.
Afinal a chuva tinha chegado mais cedo do que eu contava. Foi bastante complicado manter um ritmo certo. A chuva e a lama obrigavam a um esforço de concentração elevado.
Ao chegar ao primeiro rio perdi o ferry-boat por uns minutos. Quando cheguei ele tinha acabado de sair.
No segundo rio perguntei a um tripulante se sabia como estaria a estrada e ele disse que chovia desde muito cedo. Pensei que teria muitos quilómetros de lama pela frente até Eagle Plains.
O meu maior medo era na zona da colina da fronteira. Muitos quilómetros com terra e lama muito macias mas consegui passar sem cair, felizmente. Houve algumas atravessadelas mas aguentei.
Ao passar em Eagle Plains seriam umas duas da tarde e achei que podia continuar.
Sabia que iriam ser muitas horas de condução numas condições difíceis mas resolvi continuar.
O dia tem muitas horas de luz e daria para chegar por volta das onze.
Sempre com piso molhado, umas vezes menos outros pontos mais, fui seguindo até que a chuva parou.


Só mesmo no final, uns 50 quilómetros, voltei a encontrar piso seco. Foram umas quinze horas de viagem desde que saí até chegar a Dawson City.
Sei que foi uma loucura meter-me a fazer os 740 quilómetros da estrada num só dia mas estava com essa ideia e consegui fazê-lo sem cair e nenhum furo. Ouvi comentar acerca de furos e quedas, também vi alguns carros a mudar as rodas.
No domingo tive de lavar a moto que estava toda suja. No disco do travão de trás os furos estavam tapados com terra que tinha endurecido e parecia pedra.

Aproveitei estes dias em Dawson City para arrumar as coisas e pôr a escrita em dia.
No centro de informações sobre a Dempster Hwy deram-me um diploma a atestar a minha passagem pela Dempster Hihgway. Não valerá nada mas é uma recordação.
Agora, amanhã, quero seguir para o Alasca.

Dawson City, N 64º 02,448’ W 139º 24,395'

10 comentários:

  1. Um berdadeiro homem do nuorte.
    Parabéns Queirós!
    De tudo o que fizeste nestes quase dois anos, continuas a registar marcos que vão ficar marcados para todo o sempre.
    Esta tua última crónica demostra bem a dificuldade que há em fazer o que tens feito, mais ainda sozinho. Mas continua em frente e com saúde.
    Nestas últimas fotos tem faltado um pouco o elemento "pessoas". Isso é mesmo assim, despido de população?
    Tens de chegar agora a Anchorage e descobrir as Nova Yorkinas do "Amor no Alasca" ;-)
    Abraço,
    TTransAlves

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  2. Olá Tone

    Já que estás "tão perto" não queres ir até à Sibéria? Era só atravessar de barco e depois até vinhas sempre a rolar até casa.
    Continua sempre bem.
    Um abraço
    Cândido

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  3. Queirós, quando voltares tens de ensinar à malta as tuas técnicas de condução em pisos "marados"
    Segue em frente até ao fim desse continente, o Alaska espera por ti.
    Tu e a tua montada têm se portado muito bem (quantos Kms já marca?)
    Abraço Amigo

    Valente - MCP

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  4. Muito Parabéns Queirós pela infinda travessia entre Ushuaia e Inuvik e que teve um sem número de peripécias e obstáculos mas que superaste sempre de forma excepcional. Continuo a ficar admirado pela tua resistência e preserverança.
    E bela foto da sol da meia-noite ou até já uma da manhã!
    Penso que o principal objectivo da tua viagem já foi conseguido: ligar o extremo sul ao norte da américa. Parabéns de novo!
    Agora desejo-te Boa viagem pelo Alaska!

    Abraço,

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  5. Grande Queirós!
    Nem sempre os Homens que fazem as maiores proezas são os que à primeira vista parecem os mais ousados.
    O teu caso é a prova disso.
    Sendo tu uma pessoa discreta e aparentemente pouco ousado acabaste por provar que nem sempre o que parece é.
    Um grande abraço Amigo. Que a viagem te continue a correr de feição que nós cá te aguardamos com saudades e ansiosos por ouvir de viva voz as tuas aventuras.

    Mustafá

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  6. Queiros

    Força e ficamos a espera das fotos do Alasca.

    obrigada por partilhares essas aventuras.

    um grande Abraço

    Rui Baltazar

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  7. Ora bem pelos vistos ainda não voltarás a tempo do moto rallie dos moto galos, quem sabe o de Guimarães ;-).
    continuação de boa viagem.
    A. Pedro

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  8. O calor...o calor...19 de julho de 2009 às 18:02

    Queiroz,
    Depois de ano e meio a rolar por dois continentes, com tantos quilómetros já feitos "foi uma loucura meter-me a fazer os 740 quilómetros da estrada num só dia". Ora, loucura seria não os fazer. Afinal depois de tanta coisa passada, não seriam uns míseros quilómetros com uma lamita que o iriam desviar do caminho.
    Agora, é sempre para a frente - com as devidas precauções - até ao fim.
    Continuação de uma boa viagem.
    Um abraço,
    Miguel Ângelo

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  9. Queirós, continua a fazer uma boa viagem e mostra-nos brevemente como foi ... na primeira pesssoa.
    abraço,
    Jafqa.

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  10. Isso é mesmo outra realidade.
    Um rio que não precisa de ponte porque gela? Tem de ser gêlo a sério para aguentar com carrinhas como a que estava no ferry.

    Depois de tudo o que já viste e sentiste do pólo sul ao pólo norte, quando chegares à Trofa vais-te sentir perdido e com vontade de regressar à aventura.

    Esta última parte da viagem está a ser espectacular, Queirós!

    Força!!

    Nestes

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