BOL d’OR 1997 – Circuito Paul Ricard, Le Castellet, Marselha
Ir ao circuito Paul Ricard para ver a prova de resistência de 24 horas, conhecida como “Bol d’Or”, era um desejo de longa data.
Já em 1989 quando eu e o Pimenta fomos até Assen, mas de carro, falámos que haveríamos de ir ver também o Bol d’Or e o TT na Ilha de Man. Estes eram, nessa época, os três pontos míticos para encontros de motociclistas, principalmente para os que gostavam de provas de velocidade.
Nessa ocasião ainda havia o campeonato do mundo de TT, que nalguns anos teve provas em Vila Real – espectaculares e onde correram Wayne Gardner, futuro campeão do mundo de 500, e outros grandes nomes do motociclismo da época, como Joe Dunlop, Ron Haslam e mais de que não me lembro os nomes.
Ao fim de alguns anos e também porque o dinheiro não era muito sempre resolvi ir até França, para ver essa prova em meados de Setembro.
O meu amigo Fernandes disse que também gostaria de ir e combinámos sair na semana anterior à prova e regressar na seguinte. Assim teríamos duas semanas para ir e voltar.
No meu emprego tinha sempre de programar as férias em Fevereiro e como em Setembro quase ninguém queria ir consegui as duas semanas para a viagem.
Fui preparando as coisas lentamente e quando já estávamos em Agosto o Fernandes diz-me que afinal não vai poder ir. Problemas inesperados impedem-no de ir.
Como vai ser agora? Ir sozinho? – pensei eu. Há tantos anos a pensar ir que agora não posso falhar, com as férias marcadas e tudo. Vou só e depois vê-se. Afinal vou para um país civilizado. Ainda mais porque uma equipa portuguesa, a Suzuki Shell, vai estar presente e não sei se haverá outra oportunidade de os ver em acção.
Arranquei apenas na quarta-feira de manhã e passei em Montalegre para falar com o Fernandes, mais uma vez.
- Quando regressares tens de passar por aqui para me contar como foi, diz-me com ar triste.
- Espero que sim e que tenha muito para contar.
Fui dormir já perto de Lérida e no dia seguinte procurei sair cedo para tentar chegar ao circuito antes de cair a noite.
Em França, a meio da tarde um motociclista junta-se a mim e vai-me acompanhando por muitos quilómetros. Ao parar num cruzamento pergunta-me se vou para o circuito e se podemos ir juntos. Sim, por mim não há problema.
Pouco depois mais outro junta-se a nós e vai seguindo connosco. Ao passar numa cidade, num semáforo, um deles faz sinal para pararmos e beber qualquer coisa. Estava muito calor!
Mal parámos começaram os dois a falar e a perguntar de onde era e eu disse: Pera aí! Eu sei um pouco de francês mas é preciso falar devagar.
Ah, és de Portugal, disse um deles depois de ver a matrícula e o P, a minha mãe é portuguesa mas eu não sei português.
Lá continuámos até ao circuito e depois de comprar as entradas que davam direito a acampar lá dentro, fomo-nos instalar.
O filho da portuguesa encontrou uns amigos e juntou-se a eles mas o outro, Stéphane, ficou comigo pois também estava só.
Ainda deu para ver os treinos nocturnos e no final fomos dar uma volta pela feira que havia dentro do circuito. Esta feira parecia quase como nas festas populares com muitos divertimentos e lojas a vender de tudo, em especial coisas relacionadas com motos.
Na sexta andámos a dar uma volta pelo espaço onde se podia acampar e deu para ver todo o tipo de gente por ali. Alguns até tinham pequenos camiões com o material necessário para passar vários dias acampados, grades de cerveja e mesas e cadeiras além de colunas de som que até faziam impressão.
Depois de ver mais um pouco de nova sessão de treinos fomos até à feira. Aí, de repente, ouço alguém dizer: Só faltava este para me estragar a fotografia. Era o Paulo Ribeiro, jornalista e sócio do MCP, que estava a fazer a cobertura da prova.
À noite ainda houve tempo para assistir a um concerto na zona da feira.
No sábado tentámos ir cedo para a bancada da meta mas mesmo assim já estava repleta de gente. Depois de procurar um bocado sempre encontrámos um canto de onde podíamos ver alguma coisa.
Antes do início da prova, às três da tarde, desfilaram algumas motos meio diferentes e houve demonstrações de habilidades e até “dragsters”, acho que é assim que se diz.
A partida foi do tipo “Le Mans”, bem conhecido de toda a gente, com os pilotos de um lado da pista a correr para o outro lado onde estavam as motos.
O mal destas provas de longa duração é que ao fim da primeira mudança de pilotos mal dá para seguir a posição dos primeiros, não falando do meio da tabela. Aqui havia uma torre com os números das motos que iam nos dez primeiros lugares, penso eu, e sempre ajudava.
Ao fim de algum tempo, talvez depois da segunda mudança de pilotos, pareceu-me ouvir dizer na instalação sonora que a moto número 12 tinha caído. Não podia ser, a moto portuguesa de fora!
Nem queria acreditar quando vi um corredor a empurrar a moto à mão até à entrada das boxes. Era a moto portuguesa. Depois de um arranjo, outra vez em pista.
Ao final da tarde fomos até junto das tendas para beber umas cervejas que tínhamos comprado. A certa altura o Stéphane começa a falar com uma moça inglesa mas não consegue entender-se com ela. Não consegui conter um sorriso e ele perguntou se eu sabia falar inglês. Eu disse que conhecia um pouco. Estivemos a tentar conversar um par de horas, em que eu tinha de fazer de intérprete entre a inglesa e o francês quando queriam saber o que o outro dizia. Era muito devagar pois tinha de ficar a pensar como se diziam as coisas numa língua ou noutra. Quase dava um nó na cabeça, mas foi divertido.
À noite é engraçado ver as luzinhas e sinais que as motos levam para que o pessoal das boxes as possa identificar e dar informações.
A corrida torna-se monótona e vamos tentar dormir. As tendas estão montadas na parte de trás do circuito, ao longo da recta grande, e toda a noite as motos parece que passam mesmo ao lado da tenda.
Fazia-me impressão ver a velocidade a que passavam nessa recta, pois não havia iluminação artificial e só com a luz dos faróis nem sei como conseguiam. Eu sei que é um circuito e eles já o devem conhecer quase de olhos fechados mas mesmo assim achei meio louco.
No domingo no final da corrida a saída do circuito era controlada. Cada motociclista tinha de parar, desligar o motor e mostrar a chave e dar os documentos a um fiscal. Este depois de confirmar a matrícula devolvia os documentos. Só assim seria possível controlar e ver se não havia motos roubadas.
O Stéphane regressou a casa, Perpignan se bem me lembro, e eu fui até à zona de Saint Tropez. Mal encontrei um parque de campismo fiquei aí e fui tomar um banho pois desde que chegara ao circuito não tinha tomado um duche. Na zona de acampada havia sanitários mas era sempre tanta gente que era um desespero estar à espera.
Andei pela costa do Mediterrâneo durante uns dias, passei em Cannes, Nice e meti para o interior em direcção a Dignes-les-Bains. O desfiladeiro “Gorges du Verdun” tem uma estrada que vai por cima e vê-se o espectáculo do rio lá em baixo. Fui ver como era a ponte natural do rio Tarn e continuei para Orange. Estradas a passar por zonas verdejantes e muito agradáveis.
Voltei mais para a costa mediterrânica e depois regressei por uma estrada em direcção a Andorra num vale muito bonito.
Daí voltei para Montalegre para contar ao Fernandes como tinham sido estes dias. Fiquei lá a dormir e no dia seguinte para casa.
Penso que esta foi a penúltima prova enquanto Bol D’Or e a contar para o Campeonato do Mundo de Resistência que se realizou neste circuito. A partir da seguinte passou para outro circuito, Dijon ou Magny Cours, isto jánão sei.
António Queirós
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